A partir de 2012 até 2016 muitos discos de suma importância da geração rock dos anos 1980 irão completar 30 anos de lançamento. Porém, o que me interessa aqui são os pioneiros, que são cinco (queira ou não): Rádio Taxi, As Aventuras da Blitz, Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes e Os Maiores Sucessos de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.
Só anos depois, quando abri meus ouvidos para além do punk rock e hardcore, é que eu comecei a curtir a Blitz. Eu gostava mesmo era de “A Dois Passos do Paraíso”. E veja só você que, apesar disso, sabia cantar várias. Era febre. De fato só tocava “Você Não Soube Me Amar” nas rádios.
Esses cinco discos que pontuei fazem parte do início da invasão de uma nova geração, uma nova linguagem e novo comportamento. Músicas com gírias jovens, com o português mais coloquial não existiam antes de Radio Taxi, Blitz, Gang 90, João Penca. Esses discos abriram caminho, foram pioneiros. Afinal, naquela época era muito arriscado querer quebrar paradigmas.
Algumas postagens serão maiores que o normal, mas aí é só lê-las em partes, porque elas são especiais. Infelizmente não estou de posse de meu material pessoal de pesquisa, mas é só dar uma pesquisada aqui no Sete Doses de Cachaça que certamente você encontrará algum outro material ligado diretamente a esse assunto.
Resolvi começar esse especial com o primeiro disco da Blitz, As Aventuras da Blitz, lançado em setembro de 1982, por motivos óbvios. Foi ele que fez as gravadoras abrirem os olhos para as novas bandas de rock. O disco abusou da linguagem coloquial e “Você Não Soube Me Amar” era uma coisa de doido. Todo mundo queria a Blitz. O compacto vendeu como água e o disco também. Rendeu até uma paródia histórica que eu achei no You Tube e fiquei dando risada sozinho, porque fazia décadas que eu não escutava. Blitz rendeu programas de televisão, álbum de figurinha, entre outros produtos.
Bem, além dessas duas reportagens, da Folha SP e Veja, também há um bom depoimento de Billy (tecladista), que retirei do site oficial da Blitz, sobre o disco e sobre o que estava acontecendo na época. Também há uma reportagem da revista Pipoca Moderna que transcrevi aqui e que vale a pena ler.
Blitz e as Explosões Musicais dos Anos 80
Ricardo, Fernanda, Antônio, Márcia, Evandro e Willian ficaram tão espantados com o sucesso da pop song “Você Não Soube Me Amar” que resolveram gravar seu primeiro LP, “As Aventuras da Blitz”, a ser lançado no momento em que a Censura liberar três músicas, consideradas impróprias.
Por Isa Cambara
(Folha de São Paulo, 02/10/2012, caderno Ilustrada, pág. 35, acervo digital)
Desde o Secos e Molhados – e lá se vão quase dez anos – um conjunto musical não estreava com tanto sucesso. Em um mês, cinco cariocas e um paulista – que formam o Blitz – venderam quase 60 mil cópias de um compacto com uma única música “Você Não Soube Me Amar”. Do outro lado, nenhuma canção, apenas os gritos de “nada, nada, nada”.
Apesar disso – ou por causa disso, já que por ter só uma música o compacto custa 200 cruzeiros – “Você Não Soube Me Amar” estourou em vendas e em execução nas emissoras de rádio. E o Brasil inteiro – e Portugal também já que a música está sendo muito bem tocada lá – passou a conhecer o “rock de breque” do Blitz, que tem por norma “teatralizar” as canções, inserindo comentários, piadas, contando histórias, à maneira de Moreira da Silva.
Para os integrantes do Blitz – liderados por Evandro Mesquita, ex-membro do grupo teatral “Asdrubal Trouxe o Trombonoe” – não há nada de estranho no fato de um grupo de “rock” ter, como uma das fontes de inspiração, o velho Moringueira.
Sucesso Instantâneo – A tragetória do Blitz do desconhecimento total para o sucesso não levou mais que alguns meses. Em fevereiro, quando se apresentaram nos espetáculos do “Circo Voador” – montando pelo “Asdrúbal” na praia do Arpoador – foram vistos pelo produtor Mariozinho Rocha, da Odeon. Encantado com o que classificou de “Som Inovador”, Mariozinho convidou-os a apresentar uma fita à gravadora. Aprovados, assinaram o contrato e há dois meses entravam no estúdio para gravar um LP. Prevendo sucesso, a gravadora resolveu lançar, antes, um compacto. O resto da história é conhecida.
O estouro de “Você Não Soube Me Amar”, assustou até o próprio conjunto, pois, como diz Evandro Mesquita, cantor e principal compositor do grupo, “a gente tinha a consciência de nossa força, mas não esperávamos uma resposta tão grande.” O sucesso, aliás, ultrapassou até as expectativas da gravadora que, agora, espera vender cerca de um milhão de cópias do LP, “As Aventuras da Blitz”, que deve ser lançado em breve. Não é uma expectativa exagerada, pois o primeiro LP do “Secos e Molhados” vendeu, na época, cerca de 800 mil cópias.
Não Para Todos – O sucesso, para alguns integrantes do Blitz, chegou depois de alguns anos de estrada. Antônio Pedro, por exemplo, toca baixo, profissionalmente, há 15 anos. Chegou a tocar com “Os Mutantes”. Foi músico também de Tim Maia, Raul Seixas, Marina , mais recentemente com Robertinho do Recife e Lulu Santos.
O paulista Willian, tecladista, também tem um passado ligado ao “rock”. Fez parte do conjunto “Apocalipse” e “Gang 90”. Ricardo Barreto, guitarrista, dividia seu tempo entre a música e as artes plásticas. Como músico, fez parte dos grupos teatrais “Asdrúbal” e “Disritmia”. As duas jovens que fazem o coral – Márcia e Fernanda – eram, até o sucesso, “doublês” de universitárias (vão trancar as matrículas por falta de tempo de ir à universidade) e artistas. Márcia integrava um grupo teatral e Fernanda fazia parte de um conjunto de dança.
Até dezembro, o único a ter algo em comum com Evandro Mesquita era Ricardo Barreto. Além de terem pertencido ao “Asdrúbal”, os dois – desde fevereiro de 81 – eram integrantes do Blitz, então um conjunto que fazia música “Just for fun” como diz Evandro. O grupo não tinha sequer uma formação definitiva; os únicos certos eram Barreto e Evandro.
Quando pintava um show – geralmente em Ipanema saíamos procurando quem estivesse a fim de tocar conosco. Foi assim durante todo o ano de 81; era uma curtição, apenas. Mas, em dezembro, resolvemos partir para a formação de um grupo mais sólido para as apresentações no “Circo Voador”. Em fevereiro, quando faltava uma semana para o show, o conjunto ainda não estava completo. Nesse período entraram Antônio Pedro e Willian e o Blitz ficou com a formação atual.”
Agenda Repleta – Do conjunto faz parte ainda, Lobão, o baterista que não pode assinar contrato com a Odeon por ter gravado um disco independente. Ficou fora das gravações, mas não deixa de integrar o grupo nas apresentações. Foi ele quem batizou o conjunto, aproveitando uma expressão muito usada por Evandro, quando convidava gente para se unir ao conjunto: “vamos dar um ablirtz aí.”
“Hoje as blitz são marcadas com muita antecedência, já que a agenda do conjunto anda cheia de apresentações, principalmente nos subúrbios cariocas, um público que os jovens de Ipanema jamais pensaram em conquistar: “Mas, agora, vimos que temos música para qualquer idade e qualquer nível social.” Os ricos e os pobres, como se vê, aderiram ao “rock de breque”.
Para Evandro – que começou compondo músicas em inglês – palco, no momento, só com o conjunto. Depois de ter alcançado o sucesso como ator com o “Asdrúbal” e como compositor e cantor com o Blitz, só falta tornar realidade um de seus sonhos de adolescente: jogar futebol no Maracanã.
Revista Veja (acervo digital)
Edição 736, 13-out-1982, pág. 108, Comportamento
A língua Blitz
A juventude do Rio fala conforme a música
O Rio de Janeiro entrou rápido na brincadeira do dialeto Blitz. Começou na praia. Quando alguém está passando óleo nas costas de alguma garota, os amigos gritam de longe: “Desce dois, desce mais”. Chegou depois às escolas. No colégio Andrews, um dos melhores da cidade, um aluno flagrado pelo professor em plena tentativa de cola, reagiu à altura do humor Blitz: “Ok, você venceu”, disse ele, e entregou a prova em meio ao delírio dos colegas. “É linguagem mais de surfistas”, acha Rodolfo Almeida e Silva, 14 anos, aluno do Andrews, que não pratica o surf. “Gosto da música, mas quem usa mesmo na conversa é o pessoal um pouco mais velho.” Muito mais velho, com 41 anos, o colunista Zózimo Barrozo do Amaral do Jornal do Brasil, esqueceu a idade, como tantos outros cariocas, e aderiu à novidade. Na quinta-feira passada, abriu uma de suas notas com a linguagem cifrada marca Blitz: “Em matéria de campanha eleitoral”, disse Zózimo, “está tudo muito bem, está tudo muito bom, mas realmente...”
Essas frases saíram de uma música, Você Não Soube Me Amar, lançada há 4 meses pelo conjunto Blitz, do Rio de Janeiro. Mais falando do que cantando, os seis integrantes do Blitz contam a história de um casal de namorados que conversa no bar. Garçom, uma cerveja, pede o namorado. Só tem chope, responde o garçom. Desce dois, desce mais, encomenda o rapaz. Então a namorada pede batata frita e ele chama o garçom de volta. Ok você venceu, batata frita. Nesse ponto, o namorado, muito nervoso, emprega a tática errada. Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente eu preferia que você estivesse nua. Ela não gosta e o coro entra em ação. Você não soube me amar, você não soube me amar.
Sem Armação – Com essa brincadeira bem humorada, o Blitz vendeu 90 000 compactos em um mês. “Nós falamos de tudo o que acontece com nossa turma, da cabeça das garotas e dos garotos, diz Evandro Mesquita, 31 anos, e um dos integrantes do grupo Blitz. O próprio Evandro já constatou a penetração da brincadeira pelas praias cariocas. “Vi um jogador de vôlei errar o saque, no Leblon, e ser advertido por um companheiro com a letra da nossa música.” Você está nervoso, provocou um. Nada, nada, nada, respondeu o outro. Ambos usavam frases de Você Não Soube Me Amar. E, como a música está sempre tocando no rádio, todo mundo adere. “Meus filhos vivem repetindo o Blitz”, conta a cantora Nara Leão. “Eu também gosto muito. Dá vontade de namorar”, diz ela.
O surfista Felipe Castejá, conhecido e competente cavalgador do mar no Arpoador, conta que, há dias, já se preparava para subir uma onda, quando foi abalroado por outro surfista Rodolfo Lima. “Ok, você venceu”, rendeu-se Castejá.
Billy Forghieri fala sobre As Aventuras da Blitz:
A gente já tinha passado na mão de vários produtores na época: Guto Graça Mello, Nelson Motta, Liminha... Mas nenhum topou trabalhar com a banda. Aí um cara da rádio Cidade, junto com o Mariozinho Rocha, resolveu apostar. Gravamos uma “demo” na marra mesmo, sem teclados e coisa e tal, no estúdio Transamérica. O pessoal da EMI/Odeon curtiu a gravação e resolveu assinar com a BLITZ ! O compacto de Você Não Soube me Amar arrebentou, vendeu quase 1 milhão de cópias no comecinho de 82! E o LP, As Aventuras da BLITZ, umas 500 mil alguns meses depois... Em julho a gente já tinha estourado! Na época da gravação a BLITZ já fazia shows, tava bem entrosada... Por isso foi tranqüilo entrar no estúdio e mandar tudo rapidinho, numa tacada só, nos 16 canais disponíveis naquele tempo!. Os ensaios rolavam no apê do Lobão mesmo... Aliás, a idéia do nome da banda foi dele, no finalzinho de 81. Eu morava com o cara, estava trabalhando no Cena de Cinema com ele quando comecei, por acaso, a levar um som com o Evandro, Antônio Pedro, Ricardo Barreto e as minas (Márcia e Fernanda Abreu). Tinha também o Sussekind (Marcelo, ex - Erva Doce e atual produtor musical) que vivia com a gente: ele montava o som, tocava guitarra nos shows... Uma vez o Lobão passou mal e o cara acabou na bateria (risos)! A mixagem do Aventuras, comparando com discos atuais, é uma porcaria! Naquele tempo se pensava em mono, a voz ficava na cara e os instrumentos numa 'massaroca' danada no fundo, embolados pra cacete! De vez em quando pintava uma guitarrinha aqui e ali... Mas as músicas eram muito boas, ao vivo era outro papo. Viajávamos com equipamento próprio: palco, P.A., luz e cenários do Gringo Cardia, que tava começando junto com a gente. Mas no estúdio só fomos melhorar no segundo disco (Radioatividade), quando gravamos com 24 canais e o Liminha finalmente produziu.
Fonte : Site oficial – http://www.blitzmania.com.br/discografia/disco_blitz01.html
3 comentários:
Paulo,
Seu blog é muito bom. Cobre bastante coisa interessante mas sem aquele chororô saudosista insuportável que acomete boa parte da nossa geração. Gostei demais do post sobre o Aeroanta onde, se não vi 60% dos shows (ô, inveja...), me diverti muito. Hoje trabalho ali perto e sempre tento descobrir onde é que ficava. Parabéns pelo trabalho. Voltarei sempre.
Abs
Valeu Palhares. Só tenho a agradecer suas palavras. Hoje mesmo dei entrevista sobre o Aeroanta. Tinha dia que era divertido dentro e fora, nos botecos, né não?
Valeu!
abç
Postar um comentário