12 de junho de 2012

Legião Urbana, Seus Discos e o Registro da Memória

Eu ali no Espaço das Américas, vendo o tributo a Legião Urbana ao vivo, na emoção da apresentação (a energia no local era fora do comum, indescritível), não tinha como não rolar um flashback a cada música. Como muitos saí de lá e resgatei músicas e discos que não escutava há tempos (Dois e O Descobrimento nunca deixei de escutar). Aí fiquei pensando sobre a época de cada lançamento da Legião...

 Lembro que as primeiras coisas que escutei do rock da Colina foram “Pressão Social” da Plebe Rude (não sei que gravação era aquela) e a hoje famosa fita de Renato Russo no quarto gravando repertório do Trovador Solitário (lançada oficialmente em 2008). Isso devia ser 1982. Depois ouvi os primeiros ensaios de Capital com Dinho no vocal. Também tinha uma ótima fita de um ensaio do XXX, com “Dá Problema” e mais um monte de skazinho vagabundo bom pra caramba, com as geniais letras de Bernardo Mueller. Houve um período fértil de gravações de fitas demo, isso entre 1983 e 1985.

Fitas demos eram caras de se gravar e, em Brasília, nesse período, só havia, que eu me lembre, apenas dois estúdios. Muita banda se virava para gravar sem precisar pagar estúdio: preparava o quarto, a garagem, uma sala de aula, sala comercial e fazia-se uma demo praticamente ao vivo. Todo mundo queria ouvir as músicas das bandas da Turma e como não dava pra gravar o repertório inteiro em demo, era costume gravar os ensaios e os shows. Era raro um ensaio que não fosse gravado. Por isso as bandas da Turma da Colina ainda hoje tem material inédito à beça. Eu mesmo devo ter uns 3 ou 4 shows da Legião, tinha dois do Capital (que Loro afanou na cara dura!) e da Plebe também tenho gravações com e sem as Plebetes. Todo esse material ainda hoje existe e não só eu, mas muita gente da Turma ainda tem.

Parte de todo esse material inicial das bandas que ficaram famosas acabou sendo gravado por elas ao longo da carreira. Nos dois primeiros discos a Plebe Rude acabou registrando material antigo (para a Turma) e anos mais tarde “Pressão Social” e “Vote em Branco”, por exemplo. Mas nunca gravou “Dança do Semáforo”, "Ditador", "Moda", 'Tá Com Nada" e até mesmo uma boa instrumental que tinha (NOTA 2018: Plebe lançou antigo repertório em 'Primórdios'. Ouça!). Tinha demo de “Censura”, “Minha Renda”, “Até Quando”, “Dança do Semáforo”, “48 Horas”, “Pressão Social”. Capital não gravou algumas das primeiras composições, e coisas importantes como “Rótulo é Pra Remédio” e "Medo" (eu já pedi várias vezes). Lembro das demos de “Descendo Rio Nilo”, “Leve Desepero”, “Prova”.

A Legião não gravou “77” (que no Dois se tornou “Tempo Perdido”) e a primeira versão de “Fábrica” (tocada pelo Detrito Federal nos anos 1990). Legião inclusive tem demo pacas. Tem uma demo com uma versão psicodélica de “Ainda é Cedo”, com “Geração Coca-Cola” hardcore (mais para Aborto do que para Legião); “Teorema”, “Petróleo do Futuro”, “A Dança”, “O Reggae”.

Eu também faço parte do time que não gosta do primeiro disco da Legião Urbana. Quem já conhecia a banda, seja em Brasília, Rio ou São Paulo, com certeza se decepcionou. A EMI deixou de registrar um baita disco de rock como deveria ter sido. Mal produzido, mal captado, mal tudo. Uma pena. O primeiro disco do Capital Inicial também é muito ruim, por problemas bem parecidos com os da Legião: mal produzido, mal gravado, mal entendido pela gravadora. Quando o escutei foi outra decepção. O primeiro disco que se salva dessa geração é O Concreto Já Rachou, da Plebe. Maravilhoso apesar de eu não gostar do som da bateria. Herbert Vianna caprichou.

O primeiro da Legião chegou em Brasília antes de ser lançado, pois havia as cópias piloto que eram cópias com capas brancas. Elas rodavam pelas mãos do pessoal da Turma e uma delas passou alguns dias comigo.

Confesso que fiquei surpreso com o sucesso do disco em 1985, mesmo mal gravado. A grande surpresa para boa parte da Turma foi “Por Enquanto”, música que não existia no velho repertório. O Dois foi pura especulação entre o pessoal em Brasília. Ninguém sabia nada a respeito, apenas que seria recheado de músicas novas. Músicas novas? Como assim? E o velho repertório! Fiquei bravo mesmo antes de ouvir o disco. Legião traindo seu próprio repertório!?! E “Conexão Amazônica”, “Tédio”, “Sexo Verbal” (depois “Eu Sei”), “Química”? Aí veio a notícia de que era meio folk, com bastante violão... Xiiiii! Mudou tudo!

Quando o disco saiu, lembro de algumas pessoas na casa de uma amiga escutando e com o queixo caído. Era briga para ver o encarte, as letras e a ficha técnica. Quando escutei “Tempo Perdido” e “Fábrica” não entendi nada. E “77”? E a velha “Fábrica”? Nessa época já havia o sentimento de perda. A Turma de amigos que ficaram em Brasília viu que Legião, Plebe e Capital já não eram mais só de Brasília. Apesar de tudo adorei o disco na primeira audição.

O Que País é Este? eu já estava em São Paulo e as notícias que me chegavam me deixavam feliz, ao saber que estava sendo devidamente resgatado todo o resto do velho repertório, incluindo até “Depois do Começo”, pasmém. Lembro que fiquei encucado quando me falaram que a Legião estava gravando “Faroeste Caboclo”. Mas como? Genial, mas 10 minutos de três acordes no violão será que vão aguentar?

Quando comprei o disco e fui pra casa escutar, a primeira que ouvi foi exatamente “Faroeste Caboclo” e achei incrível o arranjo. Eu já sabia a letra de cor. Adorei o disco: cru, seco, porrada, como deveria ter sido o primeiro. Chapei com “Mais do Mesmo”. Esse disco saiu bem no Verão da Lata. Caiu como uma luva (principalmente o trecho de “Faroeste” em que Renato cantava “tem bagulho bom aí!”, que nos shows era cantado por todo mundo, mas gritando muito). Legião sempre lançava os discos entre novembro e dezembro para aproveitar as vendas de Natal. Esse verão passei em Camburi, litoral norte paulista, no meio de muitas latas! Os discos dessa temporada foram Que País é Este? e Caetano (que tem “Fera Ferida”). Da lata foi minha iniciação...

As Quatro Estações foi um disco absurdamente aguardado, até mesmo pelos grandes nomes da música brasileira. Capa prateada, encarte prateado. Era chique. Bonito pacas. Coisa de banda importante. Já começava com “Parece cocaína / mas é só tristeza”. Falei, vixi, aí vem coisa. Escutava cada faixa com muita atenção, de olho no encarte. Achei muito estranha e sombria “Feedback Song For a Dying Friend”. A cada música o queixo ia caindo mais ainda. Já era sabido por todos que seria um disco sobre o amor, completamente diferente da Legião Urbana rock’n’roll, rebelde, provocadora. Mas mesmo assim causou surpresa.

Claro que, quando chegou “Meninos e Meninas” o choque foi absoluto, de ouvir de novo, tentar entender se era aquilo mesmo. "Ih, vai dar o que falar!". As que mais me chamaram a atenção logo de cara foram “Pais e Filhos”, “Feedback” (independente da letra), “Eu Era Um Lobisomem Juvenil” e “1965 (Duas Tribos)”. Primeiro fui atrás da Legião pesada, rock, depois fui entender melhor o resto como “Monte Castelo” e “Se Fiquei Esperando...” (que a princípio não gostei). Foi um disco que precisou de várias audições para entendê-lo, e eu gosto de discos assim.

Eu vi o último show da Legião quarteto, rock’n’roll. Foi um show fechado que aconteceu no Projeto SP, aniversário da Revista Bizz. Esse show aconteceu um mês depois do fatídico show do Mané Garrincha, em Brasília. Fui até o hotel, no quarto de Renato, para ir junto ao show e ele ainda estava triste (a repercussão foi longa), e também estava decorando as letras do show no Projeto, que seria só de covers: Doors, Led Zep, Neil Young, Stones, Beatles. Lembro de já ali ele dizer que as coisas iam mudar, mas essa decisão vinha de tempos atrás. Renato já estava muito de saco cheio de viagens, hotéis, shows. O que aconteceu no Mané garrincha foi a gota d’água.

O clima no país não estava nada bom quando o V foi lançado em 1991. Crise absoluta. O clima do disco retratava bem o clima no país. Dois lados completamente diferentes, com músicas pesadas, coisas incríveis como “A Montanha Mágica”. Foi minha irmã Fernanda que apareceu com esse disco em casa, presente de um namoradinho. Ficou pra mim, me dei bem. Na hora que vi a capa me lembrei de King Crimson (Larks' Tongues in Aspic). Pirei em “Metal Contra as Nuvens”, e também nas coisas simples como "Sereníssima".

Queria ver a Legião ao vivo trio, no máximo, com um baixista a mais, mas nessa época a Legião ao vivo eu já não achava interessante. Preferia ficar no disco. Aliás, pelo Renato ele faria como o Beatles, que desistiu dos shows para só gravar. Era o que ele queria fazer. "Metal Contra as Nuvens" e "A Montanha Mágica" foram o choque. Bom demais!

Em 1993 O Descobrimento do Brasil saiu no auge do grunge, rock brasileiro em baixa. Foi a primeira e única vez que a Legião Urbana fez um clipe decente. Ninguém entendeu nada. Alguns velhos fãs haviam abandonado a banda, e o pior é que O Descobrimento é um dos melhores da discografia da banda. Incrivelmente lindo e perfeito na produção, sonoridade, edição e conteúdo. Foi o último disco de vinil da Legião Urbana que comprei, e na época eu tinha um ótimo sistema de som. Como a Legião aconselhava nos discos, escutei bem alto.

Poucas semanas antes de Renato morrer alguém na MTV havia me dito que ele estava muito mal, quase nas últimas. Mesmo assim, naquele fatídico dia, foi triste chegar ao trabalho e receber a notícia de sua morte. Como ela aconteceu poucas semanas após o lançamento de A Tempestade, eu já havia preparado um programa chamado Arquivo, com Legião como tema.

É difícil de escutar A Tempestade, é um disco muito triste. Gosto das músicas, mas é duro. As coisas mais pesadas são muito boas. Mas o recebi com receio, como que sentindo que algo estava errado. Cheguei um dia na MTV e o CD estava em cima da minha mesa. De cara me amarrei em "Música Ambiente" e "Soul Parsifal". Lembro d'eu sozinho no departamento de produção da MTV com fone de ouvido, ao lado do som, e escutando atentamente cada canção.  Uma Outra Estação apesar de ser músicas gravadas no mesmo período de A Tempestade, tem um outro clima, é bem menos melancólico. Dá pra ver bem a marca de Tom Capone nele. O disco saiu bem na época em que decidi fazer O Diário da Turma que, no fundo, foi minha homenagem a Renato Russo.


_________________________________________________________________

24/04/2018
COMPRE SEU EXEMPLAR OU DÊ DE PRESENTE! 


PEÇA PELO E-MAIL odiariodaturma7686@gmail.com RESTAM POUCOS EXEMPLARES, NÃO HAVERÁ NOVA TIRAGEM E DESDE JÁ É ITEM DE COLECIONADOR!

ESCREVA PARA: odiariodaturma7686@gmail.com
_________________________________________________________________



Eis aqui a homenagem que fiz em 1997 à Renato, em memória de um ano de sua morte:














6 comentários:

Eduardo Cianorte - Pr disse...

Ola Paulo, gostaria de te fazer 2 perguntas, a primeira é para ganhar disco de ouro um lançamento tem um prazo ou quando atinge tal numero de vendas ganha. A segunda é se quando os caras de brasilia ( de todas as bandas ) estavão ou no caso do CAPIN ainda esta em alta, eles erão acessives ou erão metidos ?
Valeu Paulo, um abraço.

Eduardo Cianorte - Pr disse...

A Paulo outra coisa, vou ver um show de uma banda de Brasilia aqui em minha cidade, vai rolar um tal de Mundo Livre Festival e vai ter Cachorro Grande, Detonaltas, Nevilton e para minha felicidade Raimundos, vai ser sabado 16/06/2012.

Paulo Marchetti disse...

Oi Eduardo. Hoje para ganhar disco de ouro é preciso vender 50 mil cópias. Até os anos 1990 eram preciso 100 mil. Do jeito que a coisa anda, daqui a pouco será preciso vender 2 mil cópias para disco de diamante... jeje.
Não, ninguém dos músicos de Brasília ficou metido por causa do sucesso. Quando iam para Brasília, pós sucesso, eram os mesmos de sempre.
O Raimundos voltou a ser o velho Raimundos. O show tá o bicho! Quando há dedicação ao trabalho, pode demorar, mas a recompensa vem. Vem aí também um CD Ultraje e Raimundos...
Valeu
abç
P. Marchetti

rafael disse...

Também acho que o primeiro disco da Legião poderia ter ficado melhor, mais cru, mais punk, mais barulhento e acredito que ia fazer o mesmo sucesso com Será e Ainda é cedo!

O Que País é Este, pra mim, é o melhor disco deles, o mais furioso e o mais porrada de todos!

O Descobrimento do Brasil também gosto bastante, guitarras altas, bem anos 90, letras diferentes, talvez seja por isso que muita gente nao tenha entedido na epóca, mas é um baita disco!

é bom saber que o Raimundos e o Ultraje vão juntar forças, são duas bandas nacionais que gosto bastante e ao vivo são incríveis!

Unknown disse...

Boa Tarde Paulo!
Você possui alguma gravação, ou demo, do Legião que não veio à publico, fiquei muito curioso com isso recentemente, se possuir, existe a possibilidade de me enviar por email, mesmo que regravando com o gravador do celular?
Obrigado, aguardo resposta!
Abraço!!

Ernesto Ribeiro disse...

Puta que Pariu, QUE BANDA DE MERDA. O grupo mais DEPRIMENTE do planeta, liderado pela figura mais nauseante do Universo. Parecia uma árvore torta de tão fisicamente deformado. A "atitude rebelde" daquele vocalista de bosta era só ser decepcionante: pregava a união entre pais & filhos, enquanto posava de roqueiro, tentando fazer o gênero musical que sempre DESUNIU as gerações. Atirava flores para a platéia e recomendava aos fãs a fórmula para salvar o Brasil: "Filiem-se a um partido." Eu mandaria ele enfiar no próprio cu os conselhos dele, mas provavelmente o boiola ia gostar. PIOR BANDA DO BRASIL, junto com os Titãs e os Raimundos.