5 de março de 2019

Consumo


Lembro certa vez em 2008, quando eu fazia a direção da 1ª temporada do programa Urbano no Multishow, quando fui conversar com um senhor intelectual que havia sido Ministro no Governo FHC, em que disse que entraríamos em um tempo de desapego.

Naquele ano ainda existiam locadoras de DVDs, era o boom das vendas de DVDs musicais, as vendas de CDs iam bem apesar de já existir download gratuito de músicas e discos, e até o mercado pirata ganhava com isso, inclusive com a venda de games.

Hoje o streaming e OnDemand praticamente acabaram com tudo isso, inclusive com o mercado pirata. Hoje ter a mídia física é só uma questão de gosto, de costume, do hábito do consumo e do acúmulo.

Eu uso IPod e minha filha que nasceu em 2001 diz que isso é coisa de dinossauro. Mas se tenho, funciona e cabem 500 músicas, porque não usar? Além do mais gasto menos bateria do smartphone não usando aplicativos como Spotify, que tenho a versão gratuita.

Nem sei dizer qual foi a última vez em que comprei um CD, disco ou DVD. Aliás hoje em dia é difícil eu comprar algo que não seja para consumo rápido. Não sou acumulador, pelo contrário, tento me livrar cada vez mais das poucas coisas que tenho na vida.

Minha épica e rica coleção de discos de vinil eu vendi inteira. Ganhei uma boa grana, mas me desfiz de discos como a 1ª edição inglesa do Combat Rock do Clash e a 1ª edição inglesa de La Folie do Stranglers, a 1ª edição inglesa do Stone Roses, 1ª edição americana do Halfway to Sanity do Ramones, entre outras raridades preciosas, tanto gringas quanto nacionais.

Só não me desfiz dos meus mais de mil CDs porque ninguém se interessou em comprá-los.

Livros eu compro e depois vendo ou troco em sebos. Os de estudo e pesquisa mantenho comigo, o resto tchau.

Não tenho coleções e tento ao máximo ter apenas o básico: roupas, cama, geladeira, computador... só o que preciso para viver o dia-a-dia.

Além da tecnologia, outro fator que contribui pro fim do consumo de supérfluos, é o número de gente que existe no mundo – cada vez maior – e que obrigou arquitetos e engenheiros a pensarem em moradias cada vez menores. Veja o que o Japão faz com seu espaço físico!

Hoje há inclusive prédios pensados apenas para moradores que tenham bicicleta, onde não há garagem. No caso de SP há até certos benefícios para quem constrói algo assim.

Há outra desvantagem em se acumular supérfluos: a dor de cabeça que você deixará à sua família quando você morrer. Meu pai que não era nenhum acumulador, quando morreu em 1989, foi difícil e demorado em desfazer de suas coisas.

Tenho amigos acumuladores, que compram tudo o que veem pela frente: brinquedos, discos de vinil, CDs e DVDs especiais entre outras coisas. Vou a casa deles e vejo estantes com livros, quadrinhos, bonecos, CDs, DVDs, bebidas e outras coleções.

Nesse início de 2019 estou em um trabalho aonde vou à casa de algumas pessoas famosas ou não, para entrevistá-las. Fui a mais de 20 residências diferentes, e vi de tudo: uns com mais objetos e outros com menos, mas todos tem em comum esse lance de separar um espaço físico em suas residências para coisas que não precisariam estar lá.

Percebo que ao mesmo tempo em que vivemos em um mundo superpopuloso e de espaços diminutos, há um mundo paralelo e cada vez mais fora da realidade voltado para o consumo desenfreado.

Conheci colecionadores que tem até chácaras para construir galpões só pra guardar os carros que compram. Colecionador de brinquedos que construiu uma edícula (maior que muita casa e apartamento) só pra guardar brinquedos de todos os tipos. Conheci até um colecionador de objetos de guerra que tinha garagem para guardar os jipes a até tanque de guerra!

No final de 2018 fui visitar um amigo que acabara de se mudar para o apartamento que comprou as duras penas. O prédio tem churrasqueira, uma piscina, academia e garagem pra um carro. O apartamento é minúsculo, tanto que ele acabou integrando a sacada a sala. Em seu quarto, uma suíte, só coube sua cama, na medida certa e um pequeno espaço entre a cama e o pequeno armário embutido. A cama fica colada na janela.

No outro quarto só coube uma cama de solteiro, uma pequena escrivaninha e o armário embutido. Tudo apertado. Na sala o espaço entre a parede onde fica a tv e o sofá é pequeno e a cozinha é americana com uma pequena área com um tanque pequeno e espaço para uma máquina de lavar e apenas um varal de teto.

Se ele quisesse ter uma pick up, coleção de discos de vinil, uma estante recheada de livros, coleção de bonecos do Super Homem ou algo assim, não haveria espaço.

Aí vejo todos esses lançamentos especiais de tudo e as pessoas consumindo essas coisas desesperadamente sem se dar conta de que a vida sem aquilo segue perfeitamente.

 
Coleção de discos de vinil coloridos do Led Zeppelin; livro especial de fotos dos Beatles; tênis edição especial Star Wars; Playmobil série especial Super Heróis; bonecos do Kurt Cobain ou Gene Simmons; discografia em vinil transparente do artista X e outras tantas besteiras supérfluas. Tudo isso te leva a um consumo irracional. Comprar por comprar. Pra quê ter todas essas coisas? Apenas pela satisfação de possuí-las?

É que os tempos e o contexto são outros, senão seria ótimo viver como Jesus que nem bolso na roupa tinha.

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