22 de janeiro de 2019

O Último Dos Moicanos


Eram 15h37 do dia 24 de outubro de 2082, horário de Brasília, quando foi noticiado a morte de Elisa Cob, brasileira que nasceu em São Paulo em 19 de setembro de 1965.

Elisa morou no Brasil até os 18 anos quando se mudou para Londres por conta da profissão do pai, que era diplomata.

A música sempre esteve presente em sua vida, porque seus pais adoravam comprar discos e equipamento de som. Era um hobby dos pais que Elisa aproveitou bem. Além disso, seus pais iam a todos os shows possíveis, e quando podiam a levavam junto.

Assistiram Stevie Wonder em 1971, Alice Cooper em 1974, Frank Sinatra em 1980, Queen em 1981, Van Halen em 1982, isso sem falar nos shows vistos em viagens internacionaisE foi logo após o show do Van Halen que  a família se mudou pra Londres. Elisa estava com 17, era bastante ligada a música e quis estudar design.

De família empreendedora, rica e abastada, sempre viveu em situação cômoda, porém de hábitos simples, sem ostentação.

Passou a trabalhar na área em que gostava: a música e a cultura pop. Mesmo quando morava em São Paulo já costumava a fazer alguns desenhos e colagens para fanzines, os convites das festas dos amigos e chegou até a fazer sucesso com algumas bolsas que eram feitas de lona ou saco de batatas. Coisa de hippie dos anos 70.

Se aqui no Brasil a família e ela (quando podia) iam a todos os shows, imagine então morando em Londres!

De tanta grana que tinha, poderia não fazer nada por 5 gerações que ainda assim iria sobrar algumas terras para arrendar. Mesmo assim trabalhava, nunca abriu mão da vida simples e contribuía bastante para serviços sociais, além de participar diretamente de ações beneficentes em países bastante pobres.

Mas entrou para o universo musical, das gravadoras, das capas de disco, cartazes, figurino, etc. Ela ajudou de certa forma a criar algumas linguagens visuais. Trabalhou com Adam Ant e Billy Idol. Fez cenário e direção de arte para alguns clipes do Cure e outros, foi uma das criadoras do visual futurista do Sigue Sigue Sputnik, trabalhou com Siouxsie and The Banshees, entre outros artistas pequenos e grandes. Por trás do visual de alguns daqueles artistas inventados por gravadoras e produtores, que estouravam apenas um hit, faziam um clipe bacana e depois sumiam, estava Elisa.

Era muito amiga de figuras como Patti Smith, Debbie Harry, Nina Hagen, Tina Weymouth, Madonna, Chrissie Hynde, Linda McCartney e outras tantas.

Mesmo conhecendo artista aqui, artista ali, continuava a ir a shows dos mais diversos, seja como convidada, seja pagando. Nos shows que ia, o barato sempre foi ficar na pista.

Viu o que pôde aqui no Brasil, listei alguns dos shows internacionais, mas ela assistiu Roberto Carlos, Gilberto Gil, Caetano, Bethânia, Gal, Tim Maia, Tom Jobim, Novos Baianos, Vinícius de Moraes, até concertos do maestro Isaac Karabtchevsky. Foi em todos os dias da 1ª edição do Rock in Rio em 1985. Falar em festival, os pais foram na 1ª edição do Festival de Águas Claras em 1975.

Tem alguns discos ao vivo bastante conhecidos tanto brasileiros, quanto estrangeiros,em que ela estava na plateia, como o 'Live in Montreal' do Queen, 'Under a Blood Red Sky' do U2 e 'Concert' do Cure.

Sempre atenta às turnês, pra ela não era nada difícil comprar ingressos e ir para qualquer país da Europa, Também viajava para os EUA, vinha ao Brasil e gostava de ir ao Japão, alias, adorava assistir a shows no Japão.

Ela sempre comprava vários ingressos e distribuía entre os amigos, até mesmo quando era em outros países, pagava tudo. E todo mundo se divertia pacas, porque iam para o show, mas costumavam ficar 3 ou 4 dias no lugar.

Nos anos 70, ainda pequena, além de tudo que já citei, viu Neil Young, Peter Frampton, America, Paul McCartney & Wings, Simon & Garfunkel, The Carpenters, Eric Clapton, George Harrison... a lista vai longe!

Nos anos 80 assistiu PIL no Japão (que saiu em disco), The Smiths, Stray Cats, Dead Kennedys, Genesis, Live Aid, Red Hot Chili Peppers (com Hillel Slovac na guitarra), New Order, Cocteau Twins, Durutti Colunm, Husker Du, Pixies no início de carreira. Viu muito show no Rockpalast onde praticamente toda a cena do rock do final dos anos 70 e 80 se apresentou, seja punk, pós-punk, new wave... qualquer show do Rockpalast que você achar no YouTube a partir de 1982, pode ter certeza que Elisa estava lá. Em outubro de 1982 ela estava também no show do The Who o qual The Clash abriu e que ficou registrado no clipe de "Should I Stay or Should I Go".

Nos anos 90 Stone Roses, Nirvana (entre tantas apresentações, o famoso show no Reading Festival de 1991), Morphine (uma de suas preferidas dessa década), porém foi nessa época – entre 1993-95 – que percebeu que o rock não era mais o mesmo. Foi a todos os festivais da década, inclusive a 1ª edição do Lollapalooza em 1990, porque nessa época já era amiga de Perry Farrell.

Também foi nos 90 que ela passou a trabalhar com internet e foi responsável pelo design de muitos sites e portais de grandes gravadoras e empresas.

Os anos foram passando e, aos poucos, foi parando de ir a shows. Pasou a ir só em lugares mais, digamos, confortáveis como teatros.

O último festival que assistiu foi o Coachella de 2037, quando tinha 72 anos. Mesmo assim foi porque recebeu uma homenagem da banda Rotten Plastic, uma das mais cultuadas daquela geração que no 3º disco lançou uma música em homenagem a Elisa.

Aceitou fazer uma viagem experimental para Netuno em 2072. Viu o corpo de Keith Richards ser congelado em 2073 para ser reanimado em 3257.

O mundo chegou a um momento em que Elisa passou a ser a única pessoa que assistiu aos grandes artistas do rock e da música.

Com sua morte, morreu de vez qualquer memória viva daquele rock feito em tempos primitivos, principalmente das décadas de 1970, 80 e 90.

Pobre rock, não sobrou mais ninguém pra contar histórias (pelo menos até 3257, quando Keith Richards será reanimado).
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E aqui deixo a pergunta que sempre me fiz: o que vai ser do rock quando todas as pessoas que viveram e viram as cenas de 1950 a 1990 morrerem?!?

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