Eis aqui uma prova cabal, e material, que comprova que o
fim está próximo: A Anafima (Associação
Nacional da Indústria da Música), em recente pesquisa, divulgou que houve uma queda brusca na
venda de guitarras em 78% entre 2012 e 2017.
Tudo bem que as
coisas mudaram e que hoje o rock não se
faz só com guitarra, mas esse fato não serve de desculpa.
Isso acontece porque
o interesse do jovem brasileiro mudou muito desde a década de 1970. Antigamente
eram poucas as opções de lazer, eram poucas as distrações que estavam ao
alcance do jovem que cresceu em meio a uma ditadura militar onde, além de tudo ser proibido, era quase impossível de se ter acesso ao que vinha de fora.
Coisas como música,
artes cênicas, skate e surf eram vistos pelos pais e adultos como prática comum
entre jovens delinquentes, erráticos e fora da caixinha.
Não existiam opções de faculdade e formação que não fosse o tradicional: direito, medicina, odontologia, administração, arquitetura... Não havia faculdade de publicidade, marketing, design, moda
e tantas outras que surgiram principalmente dos anos 1990 pra cá.
Durante décadas a música - o rock e suas
vertentes - era a principal válvula de escape de 95% dos jovens, porque nela
também estava inserida a moda e o comportamento. Roupa, cabelo, gíria, postura
tudo isso era parte desse contexto. Não à toa a postura escrachada e colorida da Blitz, que falava explicitamente de nudez e sexo em "Você Não Soube Me Amar", foi um fenômeno em 1982.
Com o surgimento da MTV aí o apelo visual ficou ainda mais forte, e com ele a tecnologia que era mostrada nos clipes, seja através de efeitos de vídeo, seja nos instrumentos mostrados em clipes do Devo, Kraftwerk, Duran Duran e outros.
Com o surgimento da MTV aí o apelo visual ficou ainda mais forte, e com ele a tecnologia que era mostrada nos clipes, seja através de efeitos de vídeo, seja nos instrumentos mostrados em clipes do Devo, Kraftwerk, Duran Duran e outros.
Tudo era novidade! Uma avalanche de novidades! E elas vinham a cada novo disco, clipe, até
mesmo em revistas mensais (como a Roll e Bizz).
Entre os amigos e outros jovens, você era visto como
diferente (no bom sentido) se tivesse uma banda ou tocasse algum instrumento do
tipo guitarra, baixo ou bateria. Era o máximo! Quando eu ia aos ensaios das
bandas em Brasília, e eu tinha 12 / 13 anos, eu não só ficava babando nas músicas,
mas também nos instrumentos. Eu pegava minha bicicleta e ia longe, na casa de
alguém, só pra poder ver de perto um instrumento desses... mesmo que fosse nacional tipo Rei.
Você sair com uma calça vermelha, azul, um tênis
quadriculado ou mesmo uma simples camiseta de banda era motivo para adultos te
olharem com cara de estranhamento, enquanto que para as pessoas de sua geração
você era visto como moderno. Como já escrevi aqui, uma camiseta de banda era
capaz de fazer amizades eternas e até casamentos.
Não à toa o Rock in Rio foi um estardalhaço. Festival de
rock no Brasil em 1985? Hahaha. No início nem mesmo os artistas convidados acreditavam.
New Order, Cure, Depeche Mode, Smiths, Prince, U2, Van Halen,
Iron Maiden, Jesus and Mary Chain, Blitz, Paralamas, Legião, Titãs, Camisa deVênus, Barão, Ira!, Engenheiros...
Depois disso ainda veio à cena Madchester, o Grunge e o Britpop. No Brasil o surgimento da MTV deu uma ótima turbinada na
geração 80 e ainda apresentou Chico Science e Nação Zumbi, mundo livre s/a,
Pato Fu, Skank, O Rappa, Planet Hemp, Raimundos. E na segunda metade dos 90 veio CPM22,
Charlie Brown Jr., Los Hermanos e Pitty.
Aí acabou. Aqui no Brasil não tivemos mais nada significativo,
e provavelmente não mais teremos.
Junto com tudo isso aconteceu mudanças significativas no
mundo. Aqui no Brasil a TV a cabo foi um importante instrumento de globalização
para o jovem, foi a pré-internet. Ter acesso a outras culturas através da televisão, isso era uma
coisa que antes tínhamos de forma restrita e censurada. A TV a cabo abriu novos
horizontes e produções internacionais mostraram como era o mundo fora da bolha
Brasil.
Outro fator bastante significativo foi a abertura
comercial. Finalmente tivemos acesso a produtos importados. Era o fim da
escravidão dos mal fabricados instrumentos e equipamentos nacionais. Mudou tudo
no ensaio, no show, no estúdio e na gravação.
Novas oportunidades profissionais surgiram. Viagens ao
exterior ficaram mais fáceis de se fazer. Veio o Real que trouxe estabilidade econômica
que o Brasil não tinha nem com os milicos e nem com o péssimo governo Sarney.
Até mesmo essa estabilidade foi novidade, o que abriu as portas para um forte consumo.
Nessa mesma época a tecnologia começou a entrar em nossas
vidas, primeiramente aos poucos e depois com tudo! Aí, com tecnologia e a
internet tivemos muito mais acesso ao resto do mundo, mais do que a televisão
a cabo nos dava.
Mais uma vez novos horizontes se abriram para os jovens.
Mais uma vez a chegada de novas possibilidades e novas profissões.
O interesse pela música e pelo rock foi diminuindo. Não o
interesse em escutar rock, mas sim o interesse em fazer rock. Com tantas outras atividades, novas profissões, muitas delas legais, que exigem criatividade e mente aberta,
e ainda por cima dão boa remuneração, o jovem de hoje não vê mais motivo para querer
fazer rock, isso custa dinheiro e não dá retorno?
Nesse contexto todo nada mais natural do que as vendas de
guitarras despencarem. O rock se tornou algo comum, inserido no establishment. O
rock há muito deixou de ser contestador. Hoje há outros modos de contestação e expressão.
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