14 de março de 2018

Rock Brasileiro: Um Zumbi Dentro da Bolha

Mais uma vez esse assunto em pauta. Também pudera o que se vê no mundo e no Brasil são artistas insossos, como diz um velho amigo “são como água: sem sabor, sem cor, sem cheiro”. E é verdade.

Eis aqui uma prova cabal, e material, que comprova que o fim está próximo: A Anafima (Associação Nacional da Indústria da Música), em recente pesquisa, divulgou que houve uma queda brusca na venda de guitarras em 78% entre 2012 e 2017.

Tudo bem que as coisas mudaram e que hoje o rock não se faz só com guitarra, mas esse fato não serve de desculpa.

Isso acontece porque o interesse do jovem brasileiro mudou muito desde a década de 1970. Antigamente eram poucas as opções de lazer, eram poucas as distrações que estavam ao alcance do jovem que cresceu em meio a uma ditadura militar onde, além de tudo ser proibido, era quase impossível de se ter acesso ao que vinha de fora.

Coisas como música, artes cênicas, skate e surf eram vistos pelos pais e adultos como prática comum entre jovens delinquentes, erráticos e fora da caixinha.

Não existiam opções de faculdade e formação que não fosse o tradicional: direito, medicina, odontologia, administração, arquitetura... Não havia faculdade de publicidade, marketing, design, moda e tantas outras que surgiram principalmente dos anos 1990 pra cá.

Durante décadas a música - o rock e suas vertentes - era a principal válvula de escape de 95% dos jovens, porque nela também estava inserida a moda e o comportamento. Roupa, cabelo, gíria, postura tudo isso era parte desse contexto. Não à toa a postura escrachada e colorida da Blitz, que falava explicitamente de nudez e sexo em "Você Não Soube Me Amar", foi um fenômeno em 1982.

Com o surgimento da MTV aí o apelo visual ficou ainda mais forte, e com ele a tecnologia que era mostrada nos clipes, seja através de efeitos de vídeo, seja nos instrumentos mostrados em clipes do Devo, Kraftwerk, Duran Duran e outros.

Tudo era novidade! Uma avalanche de novidades!  E elas vinham a cada novo disco, clipe, até mesmo em revistas mensais (como a Roll e Bizz).

Entre os amigos e outros jovens, você era visto como diferente (no bom sentido) se tivesse uma banda ou tocasse algum instrumento do tipo guitarra, baixo ou bateria. Era o máximo! Quando eu ia aos ensaios das bandas em Brasília, e eu tinha 12 / 13 anos, eu não só ficava babando nas músicas, mas também nos instrumentos. Eu pegava minha bicicleta e ia longe, na casa de alguém, só pra poder ver de perto um instrumento desses... mesmo que fosse nacional tipo Rei.

Você sair com uma calça vermelha, azul, um tênis quadriculado ou mesmo uma simples camiseta de banda era motivo para adultos te olharem com cara de estranhamento, enquanto que para as pessoas de sua geração você era visto como moderno. Como já escrevi aqui, uma camiseta de banda era capaz de fazer amizades eternas e até casamentos.

Não à toa o Rock in Rio foi um estardalhaço. Festival de rock no Brasil em 1985? Hahaha. No início nem mesmo os artistas convidados acreditavam.

New Order, Cure, Depeche Mode, Smiths, Prince, U2, Van Halen, Iron Maiden, Jesus and Mary Chain, Blitz, Paralamas, Legião, Titãs, Camisa deVênus, Barão, Ira!, Engenheiros...

Depois disso ainda veio à cena Madchester, o Grunge e o Britpop. No Brasil o surgimento da MTV deu uma ótima turbinada na geração 80 e ainda apresentou Chico Science e Nação Zumbi, mundo livre s/a, Pato Fu, Skank, O Rappa, Planet Hemp, Raimundos. E na segunda metade dos 90 veio CPM22, Charlie Brown Jr., Los Hermanos e Pitty.

Aí acabou. Aqui no Brasil não tivemos mais nada significativo, e provavelmente não mais teremos.

Junto com tudo isso aconteceu mudanças significativas no mundo. Aqui no Brasil a TV a cabo foi um importante instrumento de globalização para o jovem, foi a pré-internet. Ter acesso a outras culturas através da televisão, isso era uma coisa que antes tínhamos de forma restrita e censurada. A TV a cabo abriu novos horizontes e produções internacionais mostraram como era o mundo fora da bolha Brasil.

Outro fator bastante significativo foi a abertura comercial. Finalmente tivemos acesso a produtos importados. Era o fim da escravidão dos mal fabricados instrumentos e equipamentos nacionais. Mudou tudo no ensaio, no show, no estúdio e na gravação.

Novas oportunidades profissionais surgiram. Viagens ao exterior ficaram mais fáceis de se fazer. Veio o Real que trouxe estabilidade econômica que o Brasil não tinha nem com os milicos e nem com o péssimo governo Sarney. Até mesmo essa estabilidade foi novidade, o que abriu as portas para um forte consumo.

Nessa mesma época a tecnologia começou a entrar em nossas vidas, primeiramente aos poucos e depois com tudo! Aí, com tecnologia e a internet tivemos muito mais acesso ao resto do mundo, mais do que a televisão a cabo nos dava.

Mais uma vez novos horizontes se abriram para os jovens. Mais uma vez a chegada de novas possibilidades e novas profissões.

O interesse pela música e pelo rock foi diminuindo. Não o interesse em escutar rock, mas sim o interesse em fazer rock. Com tantas outras atividades, novas profissões, muitas delas legais, que exigem criatividade e mente aberta, e ainda por cima dão boa remuneração, o jovem de hoje não vê mais motivo para querer fazer rock, isso custa dinheiro e não dá retorno?

Nesse contexto todo nada mais natural do que as vendas de guitarras despencarem. O rock se tornou algo comum, inserido no establishment. O rock há muito deixou de ser contestador. Hoje há outros modos de contestação e expressão.

E quando algo perde sentido, perde-se a razão em existir. O rock brasileiro hoje é assim, um zumbi andando a esmo dentro de sua bolha.

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