‘E Agora Pra Dançar?’ é um clássico absoluto porém bem pouco conhecido. Uma pena. Uma injustiça. Nesse dia 13 de abril seu lançamento completa 20 anos e eu de forma alguma poderia deixar passar essa data em branco.
ENTREVISTA GUETO
Revista Bizz – Edição 39 – Ano 4 – Nº 10 – setembro / 1988
Por Bia Abramo
Que expectativas vocês tinham em relação ao primeiro disco Estação Primeira?
Edson: Aquelas que a gravadora deu pra gente... (risos). A banda tinha seis meses, gravar um disco já era uma puta coisa legal. Você, com toda sua experiência, acredita em tudo o que te falam e não é bem isso. A inexperiência da banda faz com que você acredite num ufanismo, tipo vai acontecer, vai dar certo...
Márcio: Ah, mas acho que isso foi mais por parte da gravadora. Por que pelo que acontecia realmente, pelas rádios e pelo público, a gente imaginava que ia acontecer que a gente ia vender legal, mas que não ia ser um puta estouro logo de cara.
JC: É, mas eles estavam esperando isso. A gente nem estava esperando tanto, mas a gravadora estava. Tanto é que o orçamento do primeiro disco foi o de um disco estourado, tipo um Roberto Carlos. Eles gastaram uma puta grana, e a gente ficou quase três meses no estúdio.
Edson: Tudo que a gente falava, imaginava, podia. A gente pensava num trombone: “Ah, vamos chamar o Raul de Souza”. Para a gente, na pior das hipóteses, isso acabou sendo lucro. O único problema é que a gente ficou traumatizado porque uma hora a gente teve que pôr o pé no chão.
Márcio: Nós gravamos no plano cruzado e lançamos no começo da volta à inflação. Foi bem difícil, mudou tudo de uma hora pra outra.
Quer dizer então que as expectativas da gravadora foram por água abaixo?
Edson: Tem mais coisas que rolam. Naquela época a gravadora estava avaliando que o rap ia estourar e o Gueto era um representante. “Kátia Flávia”, diz o pessoal lá da gravadora, estourou sem fazer esforço e, obviamente, quando alguma coisa estoura sem esforço, é aí que a gravadora faz divulgação em massa – põe em novela, faz propaganda, etc. Esse estouro de “Kátia Flávia” atrapalhou a gente.
JC: Além disso, a gente não é uma banda rap. Tem só uma música mais rap, “GUETO”, que a gente não concordava em ser a música de trabalho. É, a gente não foi muito bem trabalhado. Mudou o pessoal de divulgação de rádio, puseram uma tonta lá que não fazia nada, ficava lixando a unha o dia inteiro. Eu achei que o nosso primeiro LP foi super mal dirigido.
Edson: Se fosse feito o LP com a metade da verba e a outra metade para a divulgação, teria muito mais resultado.
Bem, tudo isso é a parte da gravadora. E vocês, entraram nessa trip de super produção e se decepcionaram?
Edson: A gente ficou meio traumatizado. A gente teve uma experiência de produção que não condiz muito com a realidade da banda. Então resolvemos partir pra outro processo de gravação nesse novo disco. Resolvemos gravar mais como uma banda. E também tem o lance da introdução dos teclados que ajuda na composição harmônica, fica mais cheio.
Como é que o Valdir entrou?
Valdir: Eu já conhecia o pessoal antes – eu ia muito em shows, era fã. Em janeiro desse ano, eles me convidaram para participar de um ensaio e eu topei.
Edson: De fevereiro a maio, a gente fez oito músicas novas. Esse foi outro problema do Estação Primeira: a gente ficou trabalhando tanto, fazendo shows, que na hora de gravar o próximo LP, a gente nem estava preparado pra isso. Essas composições (do disco E Agora Pra Dançar?) foram feitas no maior gás. Claro, a gente tinha idéias, letras, mas é difícil o processo de composição.
JC: Nós gravamos e mixamos em um mês. Trabalhamos todos os fins de semana. A gente queria muito gravar no Nas Nuvens com o Paulo Junqueiro e ele tinha algumas coisas pra fazer – ele acabou de gravar e foi pra Portugal no dia seguinte produzir o Xutos e Pontapés. Então se a gente quisesse fazer naquele estúdio e com aquele produtor, a gente tinha que gravar em um mês, naquelas condições. O resultado eu achei bom... Você não achou?
Eu achei que o som ficou mais simples do que era no primeiro disco.
JC: Mais simples... É, no outro a gente usou bastante sampler, bateria trigada. Esse foi bem rock’n’roll.
Edson: Nós tentamos melhorar coisas que foram falhas no primeiro disco, melhorar os arranjos, as letras...
Márcio: O que mudou nesse disco foi que não teve participações.
JC: É, a gente fez tudo.
Edson: Se a gente quisesse chamar participações especiais, até podia chamar, a gente até poderia, mas pelos arranjos a gente achou que não havia necessidade. A gente queria o Gueto, a banda que faz sucesso em show. Procurar a simplicidade do Gueto dentro do disco, uma coisa que no Estação Primeira não tem.
JC: É arriscada esse história de ter muitas participações no disco, ma não ser que você tenha muito tempo; daí dá pra estudar com calma.
Edson: A gente também pode estar numa fase de curtir umas coisas mais vazias e de repente, no próximo disco, mudar isso. Não tem uma coisa aprisionada, é uma questão de época. Acho que todo artista pop tem esse direito de mudar o seu trabalho.
Edson, você falou que o artista pop tem o direito de mudar o seu trabalho. O que mudou no Gueto, além dos acertos técnicos?
Edson: Toda vez que se faz um disco, no próximo se pretende uma evolução. Tem que fazer um trabalho que soe bem, que você coloque na vitrola e seja audível – e no nosso caso a gente tem a ambição de fazer um som moderno – e que também soe bem no rádio. Nas rádios tem compressores, mil coisas que alteram o som. O Estação Primeira, que tem um puta som na vitrola de sua casa, na rádio não soava com definição, principalmente o vocal. E no Brasil, e acredito que no mundo, todas as pessoas estão a fim de ouvir a letra, o vocal. Se você pegar o Brasilzão afora, as pessoas que não tem muita informação musical querem ouvir o vocal. Esse próximo vai ser mais definido. Ah, você tinha perguntado das mudanças... Eu acho que a gente conseguiu manter a personalidade do trabalho.
JC: A gente é uma banda de rock, pô! Tem baixo, tem bateria, tem guitarra, tem vocal, e a gente ensaia sempre junto. Hoje em dia, com essas coisas de house music, de tecnologia, isso não é muito comum... Música de sucesso tem bateria eletrônica, tem uns detalhes e depois vem a melodia, isso que é uma produção moderna. Esse tipo de produção foi tentada no primeiro disco, mas, como a gente não era isso, foi por isso que a gente não gostou muito, e que não funcionou direito.
Tentou quem? O Produtor?
JC: Sim, o produtor. “Vocês são uma banda moderna, então vamos ter que gravar moderno”. Não sei se é isso... Você pega o Talking Heads, não tem um exagero de produção. A gente não devia ter feito esse tipo de coisa.
Edson: Toda vez que se faz um disco, no próximo se pretende uma evolução. Tem que fazer um trabalho que soe bem, que você coloque na vitrola e seja audível – e no nosso caso a gente tem a ambição de fazer um som moderno – e que também soe bem no rádio. Nas rádios tem compressores, mil coisas que alteram o som. O Estação Primeira, que tem um puta som na vitrola de sua casa, na rádio não soava com definição, principalmente o vocal. E no Brasil, e acredito que no mundo, todas as pessoas estão a fim de ouvir a letra, o vocal. Se você pegar o Brasilzão afora, as pessoas que não tem muita informação musical querem ouvir o vocal. Esse próximo vai ser mais definido. Ah, você tinha perguntado das mudanças... Eu acho que a gente conseguiu manter a personalidade do trabalho.
JC: A gente é uma banda de rock, pô! Tem baixo, tem bateria, tem guitarra, tem vocal, e a gente ensaia sempre junto. Hoje em dia, com essas coisas de house music, de tecnologia, isso não é muito comum... Música de sucesso tem bateria eletrônica, tem uns detalhes e depois vem a melodia, isso que é uma produção moderna. Esse tipo de produção foi tentada no primeiro disco, mas, como a gente não era isso, foi por isso que a gente não gostou muito, e que não funcionou direito.
Tentou quem? O Produtor?
JC: Sim, o produtor. “Vocês são uma banda moderna, então vamos ter que gravar moderno”. Não sei se é isso... Você pega o Talking Heads, não tem um exagero de produção. A gente não devia ter feito esse tipo de coisa.
Edson: Eu acho que você pegou num ponto legal. O Gueto, não vamos negar, estava super influenciado nessa época pelo hip hop – e a gente continua ouvindo até hoje – mas com uma sonoridade de uma banda de rock, não como uma sonoridade de uma banda de hip hop.
JC: No hip hop é tudo eletrônico. Pô, o Edson toca bateria, por que vamos gravar com uma bateria eletrônica? A gente compôs a música com bateria acústica, então ela tem que ser gravada como ela foi feita, não pode fugir do padrão da banda. Isso é que falta aqui no Brasil, um produtor que entenda o que a banda faz e grave como tem que ser.
Edson: Tem experiências interessantes mesclando as duas coisas, usando efeitos em cima daquilo que é acústico, dá pra conseguir timbres interessantes. Basicamente os timbres modernos, de bateria eletrônica, estão tentando cada vez mais chegar próximos da bateria acústica. Então pra quê? Se estou lá me esforçando? A gente está caminhando mais em direção à personalidade da banda.
Boa, então defina. Qual é a personalidade da banda?
JC: A gente é uma banda de rock que gosta muito de música negra.
Edson: É isso aí. Uma banda de rock branca...
JC: ...metida...
Edson: ...que gosta de música negra, não só de funk.
O que vocês acham do que está acontecendo no rock nacional agora?
Edson: Agora está totalmente ligado a situação política do país. A gente ouve cada coisa que dá medo, a coisa está indo para um buraco negro; ninguém sabe o que vai acontecer. A próxima invasão do brega... todo mundo fala que o rock vai sobreviver, mas amedronta. Os poderosos das rádios FMs é que mandam no gosto da povão. Se os caras inventarem de acabar com o rock, vai existir o rock de uma outra forma, mas não vai existir mais ao nível de Paralamas e Legião venderem 800 mil cópias, estouros tipo RPM. Se bem que essas bandas, embora toquem rock, já estão no contexto da MPB. Não vai existir um grupo pop brasileiro com uma concepção americanizada ou inglesa... Não sei, acho difícil.
Márcio: O Gueto não é uma banda do Plano Cruzado. Todas as bandas do Plano Cruzado venderam, todas as bandas depois do Plano Cruzado não venderam.
JC: Todo mundo gosta da gente quando vai ao show. Acho que falta o apoio da mídia, tipo a mídia comprar a gente.
Você acha que só dá certo se a mídia comprar? Como a Folha de SP com os Titãs?
JC: Não só assim, não, mas é um processo mais demorado. O que acontece aqui é que tem uma distância muito grande entre a imprensa escrita e a mídia de rádio. A crítica é mais informada, pesquisa mais. O pessoal da rádio vai mais pelo que pega.
Márcio: O legal disso tudo é que as pessoas que a gente conquista são pessoas que vão ao nosso show e gostam. E essa propaganda é ótima. A melhor propaganda da gente é a gente mesmo.
Vocês fizeram uma letra politizada em “Balaio de Gatos”, coisa que vocês nunca tinham feito. A letra reflete uma preocupação nova de vocês? (Leia mais abaixo o post ‘Musica de Protesto’)
Edson: Acontece que a gente é “super era 70”, pela idade é todo mundo setentão (Nota: dos anos 70). Todo mundo viu essas mudanças, eu vi o Brasil sendo campeão, eu vi o Brasil virando um país rico, eu vi meu pai ganhando grana e eu vi tudo isso mudando. Então era importante retratar toda essa situação e colocar nosso pé atrás com o que está pra vir...
JC: Essa letra fala do Plano Cruzado, é uma letra meio histórica. A gente sentiu que a situação está uma merda, então a gente fez uma letra sobre isso.
Edson: Foi o que a gente passou, é o que a gente está passando.
Marcola: Eu acho ela legal, porque é uma letra política com uma música pra dançar. É difícil fazer isso.
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