Lembro da expectativa em torno do segundo disco da Legião. O primeiro tinha sido acima do esperado pela gravadora e pela própria banda (ele de fato poderia ter ficado zilhões de vezes melhor. Pelo que sei era pra chegar as 5 mil vendidas e acabou quase em 100 mil). Fato é que a Legião ganhou moral na EMI e pôde trabalhar com mais calma o segundo disco. O resultado é o que todo mundo sabe: o Dois acabou se tornando um dos grandes clássico daquela década, respeitado até pela turminha da MPB. É o disco folk da Legião e suas músicas nunca mais saíram das rádios.
"1986: momento histórico nacional com nosso Presidente civil, crescimento econômico e industrial, controle da inflação, Plano Cruzado, Funaro e a turma da PUC – Rio no comando, o Brock bombando e eu entrando na maioridade e nos estúdios da EMI pra ver se a gente dava seqüência ao trabalho da banda, que vinha de uma estréia bem aceitável na cena musical com um primeiro disco que quase chega a Disco de Ouro (100 mil vendidos).
Renato insistia em falar sobre a síndrome do segundo disco, o “efeito Cinderela, vamos ver se a carruagem vira abóbora, se a banda vai ou não vai pra frente”. O Paralamas já tinha lançado Passo do Lui, segundo disco exemplar.
A preocupação era grande e Renato preparou uma espécie de cartilha de como deveria ser esse disco. Ele já tinha montado a seqüência das faixas lado A, lado B, com a descrição precisa delas, e o que cada uma representava no emocional coletivo. O princípio guia era não repetir o formato, digamos assim, ’visceral’ do primeiro disco, entram em cena sutileza, lirismo, dedilhados melódicos e muito violão. Pra tanto violão Renato me passou um K7 cheio de Cat Stevens, Dylan, Stones e McCartney pra ver se eu entrava no clima.
No comando da produção estava, pela primeira vez, Mayrton Bahia, figura respeitável, criativo, totalmente zen e tolerante, pra compensar a intolerância de Carlos Savalla, engenheiro de som e enciclopédia musical, que naquele momento se dava muito bem com Renato.
A primeira música a ser gravada foi “Daniel na Cova dos Leões” que surgiu da linha de baixo do Negrete, na seqüência “Quase Sem Querer”, “Tempo Perdido”…
E assim o disco foi seguindo o ritmo e os termos da cartilha de Renato sem maiores contratempos, até chegarmos à gravação de “Andréa Doria” que por algum motivo empacou. A música não vinha porque não vinha, Savalla aos berros, Bonfá já de saco cheio e todos nós já quase desistindo da música até que entrou o violão fazendo a liga, e tudo depois de dias de tormento se resolveu.
O disco vinha alternando entre configurações de arranjo mais ou totalmente acústico tipo “Eduardo e Mônica”, “Central do Brasil” e o elétrico de “Metrópole”, “Fábrica”, “Plantas Embaixo do Aquário” (música esquisita, diga-se de passagem).
A última faixa a ser finalizada foi “Índios”, basicamente uma progressão quase bachiana do teclado junto ao baixo e mais a bateria marcando um 4/4 simples e, no fim, é claro, o violão fechando o disco. Violão tocado pelo Renato, pois eu, supersticioso, quase obsessivo, mantive o que procurei repetir em todos os discos: não tocar nenhum instrumento em uma das faixas…
Foi a última letra a ser escrita e lembro de Renato colocando a voz na sessão de mixagem, a última sessão de mixagem, tipo 48 minutos do 2º tempo, foi revelador, surpreendente, arrebatador… nascia de última hora um mega sucesso popular, ninguém entendeu nada, encerramos o dia e o disco desorientados e o “Quem me dera, quem me dera, quem me dera ao menos uma vez”, repetindo na cabeça até o dia seguinte."
Dado Villa-Lobos, ex-guitarista da Legião Urbana
Um comentário:
No Gilberto Salomão, em 86, tinha uma casa chamada Zoom e rolava uma matinê pros menores de 17 anos lá. Essa matiné da Zoom acabava às 19 horas e a música que encerrava a festa era chamada pelo dj residente de "hino". O primeiro hino foi "Até quando esperar" e o segundo foi "Tempo Perdido", ambas eram cantadas em coro.
1986 está pro rock brasileiro como 1967 está pro rock mundial.
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