Todo mês tem discos clássicos fazendo aniversário, seja uma data redonda ou não. Um clássico não é necessariamente um disco de sucesso, principalmente aqui no Brasil.
Inclusive boa parte dos discos lançados em 1980 serve de exemplo de como se pode ter discos clássicos, mas sem ter necessariamente qualidade de produção e nem alta vendagem.
Muitas coisas envolvem um disco clássico, como é o caso de Crescendo, do Ultraje, lançado em 1989. É o 3º disco do Ultraje e o 3º a ganhar Disco de Ouro (na época 100 mil vendidas). Ele marca mais pelo repertório do que pelo sucesso, porque apesar de ter vendido bem, não tocou em rádio e não chamou tanta atenção da mídia. Além do resgate de músicas antigas, e de “Crescendo II” onde Roger relata o episódio onde foi acusado de estupro (acusação depois retirada), há também “Filha da Puta”, música feita com a intenção de testar o fim da censura recém-decretado. Em SP a 89FM chegou a tocar a original, mas a maioria das rádios tocou a ‘versão família’, conhecida como “Filha Daquilo” rsrs. De qualquer forma foi uma ótima provocação. “Chiclete” e “Ricota” do Edgard Scandurra também foram gravadas (João Penca também tocava “Ricota”).
Dos lançamentos da geração 80, só tem grandes clássicos, e há mais dois exemplos de discos importantes que não fizeram sucesso: “Só Se For a Dois” de Cazuza, e “Quatro Coiotes” do RPM.
O 2º disco solo de Cazuza é um verdadeiro clássico, na época, apesar de ter vendido razoavelmente bem, foi “engolido” por outros discos que estavam fazendo muito sucesso nesse período, entre eles Cabeça Dinossauro (Titãs), Dois (Legião) e Rádio Pirata (RPM), só pra ficar em três... Mas nele Cazuza gravou músicas maravilhosas como “Nosso Amor a Gente Inventa”, “Solidão Que Nada”, “Completamente Blue”, “Vai a Luta”, “Culpa de Estimação” (com Frejat) e “Balada do Esplanada”. Discaço. Cazuza ultra maduro!
O mesmo já não dá pra dizer de Quatro Coiotes, do RPM. Um disco ultra mega aguardado, criou-se um monte de expectativa em cima do segundo disco de músicas inéditas do RPM, lançado três anos após o primeiro, e após a ascensão e queda da banda e do poder econômico brasileiro.
Nesses três anos que separaram os dois discos, muita coisa aconteceu, inclusive a banda chegou a acabar, mas logo foi ressuscitada por Milton Nascimento. De “queridinha dos críticos do circuito underground” a “pôster no quartinho da empregada”, tudo aconteceu com o RPM. Um dia sem dinheiro pra pagar o aluguel, no outro sem lugar pra colocar tanto dinheiro!
Trabalhou com Milton, Ney Matogrosso, elogiado por Caetano, Gil... RPM caiu nas graças do país inteiro, da classe A até a classe E.
Vendeu horrores de seu disco ao vivo Rádio Pirata e já tinha vendido ultra bem o primeiro disco, até porque “Louras Geladas” e “Olhar 43” tocaram sem parar em AM e FM durante praticamente 2 anos seguidos!
Aí, em meio a todo esse contexto e a uma separação, a banda resolve voltar, viajar e se isolar para preparar o repertório do novo disco. Ninguém tem acesso a informações, RPM voa para Los Angeles, muda a linguagem visual, muda o figurino, o marketing da gravadora a mil com todas as mudanças e segredos, até que finalmente o disco foi lançado. Uma porcaria. Além de mal gravado e produzido, o repertório é fraquíssimo, não chega nem ao chulé das primeiras composições. A tiragem inicial foi de 250 mil cópias, mas nem todas foram vendidas. Pra quem tinha vendido nos últimos 3 anos mais de 4 milhões de cópias, 250 mil não era nada. O disco não causou impacto nenhum – apenas o negativo, não tocou em rádios, não emplacou na TV e não chamou a atenção das fãs, que a essa altura estavam três anos mais velhas. Junto a tudo isso, se soma a frágil relação entre os integrantes. Resultado desse fracasso foi o fim definitivo da banda menos de um ano depois do lançamento, em fevereiro de 1989, quando RPM fez três shows de despedida no Dama Xoc. Até hoje ninguém conhece música alguma do Quatro Coiotes, assim como não conhece nenhuma do disco mais recente.
Em 1983 a Gang 90 & Absurdettes lançou o incrível 1º disco Essa Tal de Gang 90 & Absurdettes. Um dos pioneiros, e de suma importância. Por causa de Júlio Barroso e Gang 90, muita coisa aconteceu no rock brasileiro. Graças a Gang 90 existiu Blitz. Graças a influencia de Júlio Barroso muitos clássicos do rock brasileiro foram compostos. O disco, se você for escutar com atenção, perceberá que não é nada comercial, pelo contrário. A força dele vem de quatro grandes composições, verdadeiros hits: “Perdidos na Selva”, “Telefone”, “Noite e Dia” e “Louco Amor”. As outras 6 músicas do disco são maravilhosas (o que falar de "Jack Kerouac"?!?), mas inviáveis para qualquer rádio comercial. Já escrevi sobre esse grande clássico e ele é simplesmente a síntese do rock brasileiro dos 80. É mega, é grandioso, é épico!
Em falar em épico, outro da mesma altura é o “Tente Mudar o Amanhã”, 1º disco do Cólera, de 1985. Disco independente, feito na raça, e lançado pela gravadora do próprio Redson, Ataque Frontal (antes Estúdios Vermelhos). Esse foi outro disco bastante aguardado, já que Cólera existia desde 1979, já era conhecida no circuito de shows, e já tinha participação no Grito Suburbano, SUB e O Começo do Fim do Mundo. Das 20 músicas registradas, ao menos 10 são clássicos do punk rock brasileiro, como “1.9.9.2.”, “Palpebrite”, “São Paulo”, “C.D.M.P.”, “Violar Suas Leis”, “Duas Ogivas”....
Pra fechar os 80 tem o 2º disco solo do Lobão, O Rock Errou, de 1986. Vendeu 100 mil cópias, e agradou bastante rádios e TVs. Lobão sempre Lobão, então ressurgiu (depois de Os Ronaldos) polêmico como sempre, com um título provocador, bem no auge da cena rock no mainstream, e um disco bem gravado, com um repertório de primeira, e recheado de bons parceiros como Cazuza, Bernardo Vilhena e Júlio Barroso. “O Rock Errou”, “Revanche”, “Noite e Dia” e “Canos Silenciosos” foram as que tocaram muito. Aí você pega o Lobão ácido, suas prisões por porte de drogas, e suas declarações sempre provocadoras e junta tudo a uma capa polêmica pela nudez de Daniela, sua suposta prima e também namorada, aí já viu, né?!? Esse é outro grande disco.
Voltando uma década, em 1972 foi lançado Clube da Esquina. Aí o bicho pega! Tem Milton Nascimento, Márcio Borges, Lô Borges, Beto Guedes, Ronaldo Bastos,Tavinho Moura, Toninho Horta, Vermelho, Zé Eduardo, Fernando Brant, Flávio Venturini, Neném, Wagner Tiso, Paulinho Carvalho entre outros. Todos com idade variando entre 20 e 30 anos.
Clube da Esquina é uma pérola da música brasileira e figura sempre entre os 10 primeiros em qualquer lista dos melhores discos brasileiros. Disco duplo com 21 músicas. Das minhas preferidas, a mais de todas é “Trem de Doido”. Foi algo novo, uma vitamina pós Tropicália, e tão grandioso quanto discos que eram lançado nesse período de fogo aberto entre artistas da MPB e ditadura. É disco pra escutar sempre!
Por fim a geração 90 com três lançamentos bastante significativos: Skank em 1993, Da Lama ao Caos em 1994 e Usuário em 1995. Todos eles sendo o 1º lançamento dessas bandas. Três discos atemporais. Difícil dizer qual deles entre Skank, Chico Science e Planet Hemp é o mais importante. Acredito que os três tem o mesmo peso e cada um por seus motivos. Skank pelo frescor (pop, reggae, dancehall, dub, futebol e engajamento), CSNZ pela sonoridade (pós punk com sonoridade regional) e Planet pela ousadia (o texto, a postura). Os três tem muito mais que isso, mas dá pra resumir assim.
É bom também observar que cada uma dessas bandas, apesar de estarem na mesma cena, são de estados diferentes.
(no VMB de 1995 juntou em um camarim Chico Sciense e Nação, Planet e Raimundos. Já viu, né? kkk)
É bom também observar que cada uma dessas bandas, apesar de estarem na mesma cena, são de estados diferentes.
(no VMB de 1995 juntou em um camarim Chico Sciense e Nação, Planet e Raimundos. Já viu, né? kkk)
E o mais legal de tudo é que passados mais de 20 anos, as três bandas estão aí, continuam tocando, gravando, lançando bons trabalhos e com shows cheios.
Agora lhe pergunto: de todos esses lançamentos do mês, qual você levaria para uma ilha deserta?
2 comentários:
Mais um post que desejei que fosse infinito, é uma delícia ler suas matérias. Com certeza eu levaria o "Dois" para uma ilha deserta, pois é um disco que não canso de ouvir, de uma banda que amo desde sempre. Se pudesse levar dois discos, levaria o do Cólera também, simplesmente por ser punk-rock brasileiro!
Força aí!!!
Clube da Esquina,mas........!!!
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