Só pra situar, antes de tudo, e lembrar (mais uma vez) que o contexto era outro: fita cassete, vídeo cassete, disco de vinil, walkman, sem celular, sem internet, sem produtos importados, sem tv a cabo.
1987 foi o ano que me mudei para São Paulo. O Governo Sarney e seus planos econômicos esdrúxulos estavam em franca decadência, o Brasil se afundava em inflação e o futuro era completamente incerto. Era o fim da censura, todo mundo estava feliz da vida com o fim da ditadura, mas tudo na lama. Apesar disso, era o que sempre foi com o brasileiro: tudo era festa.
Alguns discos que foram lançados: Engenheiros do Hawaii A Revolta dos Dandis, Lobão Vida Bandida, U2 The Joshua Tree, Michael Jackson Bad, Guns’n’Roses Appetite for Destruction e Anthrax Among the Living.
Alguns filmes que foram lançados: Barfly, Coração Satânico, O Império do Sol, Atração Fatal, Bom Dia Vietnã, Predador, Robocop, Os Intocáveis e Wall Street.
Pra mim, apesar da mudança brusca de Brasília para São Paulo, e toda a carga emocional e sofrimento que passei por conta disso, não posso reclamar de 1987. Pô comecei o ano assistindo a dois shows do Ramones no Palace (Joey, Johnny, Dee Dee e Ritchie). Nesse ano estagiei em uma agência de publicidade e comecei a trabalhar em uma produtora de filmes publicitários. Fazia bico e ganhava um troco, junto com um grande amigo de Piracicaba, fazendo jingles e cantando em alguns deles, e ainda ganhava mais outro troco sendo roadie desse amigo, que era tecladista. Passei o ano indo muito à Piracicaba. Até mais ou menos 1990 as coisas ainda eram muito intensas por lá, bares, festas, viagens.
Aí chegou dezembro de 1987 e o bicho estava pegando. Em setembro o navio Solana Star jogou as famosas latas de maconha no litoral. Todo mundo tinha uma lata! Uêba! Em outubro Caetano Veloso lançou disco onde regravou "Fera Ferida"; em novembro Marina lançou o disco Virgem, e “Uma Noite e Meia” foi febre nas rádios e acabou sendo a música do verão 1987/88; em dezembro Legião Urbana lançou Que País é Este?
Fui passar o verão em Camburi, litoral norte de SP, quando essa praia ainda ficava no mato (hoje há condomínios e hotéis de luxo). Eu e mais 5 pessoas de Piracicaba alugamos uma casinha humilde de pescador que também ficava no meio do mato. Nessa época o trânsito de São Paulo já era pesadelo, mas não como hoje, claro. Para ir ao litoral norte ou sul levava-se o tempo normal. Chegamos logo após o natal e acredito que ficamos até dia 20 de janeiro. Realmente não me recordo, só sei que ficamos muito tempo. Inclusive muita gente aparecia na casa e acabava dormindo um ou dois dias, fazíamos almoços, som alto, casa isolada. Tudo de bom.
Camburi não tinha opções de bares... Era apenas um... e mais um ou dois botecos. Tudo perto. Não havia asfalto. E o clima era daquele que chegava alguém de violão e o boteco inteiro ficava cantando. Virava uma grande roda. Lembro que eu jogava muito gamão nesses dias de praia. Aquela praia a noite.........................
Camburi era praticamente uma praia de moçada e surfistas. Nada de família e terceira idade. O réveillon na areia foi tranquilo. Fizemos um belo jantar, preparamos a casa, outros amigos de Pira apareceram e a noite foi longa. Lembro de sentar na areia da praia com uma amiga e ficar observando uma chuva de raios bem longe ao mar. Pouco tempo depois da meia noite, estava eu com um amigo já bêbado perto de uma vela acesa na areia, e ele quis parar para acender seu baseado na vela. Era a maconha da lata e eu ainda não fumava. Quando agachamos para perto da vela, meu amigo acendeu o baseado e começou a colocar um monte de maconha ao lado da vela e oferecendo-a para uma porção de santos. Eu o fiz parar e peguei toda maconha de volta rsrs. Nesse momento ele disse que eu deveria fumar aquela maconha porque era especial e limitada. Peguei o baseado e fumei. Nessa noite fumei maconha o tempo inteiro kkkk.
Para Camburi levei uma porção de fitas com as mais variadas bandas estrangeiras e brasileiras. No fim, o que mais tocava era Caetano Veloso e Legião Urbana. Lembro até de uma noite de violão no boteco em que rolou “Eu Sei” e todo mundo cantou. Isso um mês depois do disco da Legião ter saído. Não deu uma semana na praia e todo mundo já sabia a letra inteira de “Faroeste Caboclo”. Com certeza o disco de Caetano virou um clássico pra nós: “José”, “Eu Sou Neguinha”, “Noite de Hotel”, uma pérola atrás da outra. Mas de fato o que pegou mesmo foi “Faroeste Caboclo”. Lembro, lá na casa, de gente que escutava a música pela primeira vez e pirava na história (o disco foi lançado na 2ª semana de dezembro). Todo mundo fumava o da lata e gritava na hora que Renato cantava “tem bagulho bom aê!!!”. Esse trecho caia muito bem naquele contexto e todo mundo podia estar fazendo o que fosse que parava só pra berrar “tem bagulho bom aê!!!”.
Lembro de uma vez quando fui dormir muito chapado, meu corpo ficou formigando inteiro, entrei numa viagem e acordei otimamente bem no dia seguinte kkkk.
Agora história mesmo eu tenho uma boa, que vou ter que resumir: eu tinha uma amiga que a irmã morava no Rio de Janeiro e nesse verão estava no litoral fluminense. Ela comprou uma lata inteira na cidade onde estava e resolveu enterrá-la para poder usá-la quando não houvesse mais lata alguma. Ela enterrou a lata sozinha, porém semanas depois ela morreu em um acidente de moto. Até hoje há uma lata do Solana Star fechada e cheia de maconha nessa cidade do litoral do RJ.
Certo é que esse verão foi incrível. Dias intensos em Camburi que, pra mim, acabou gerando mudança de comportamento J.
PS: "Faroeste Caboclo" e o fumo da lata ainda duraram por todo ano de 1988.
Nenhum comentário:
Postar um comentário