11 de março de 2015

Série O Resgate da Memória: 43 - Serguei



(Matéria não assinada do primeiro número da revista Roll, de outubro de 1983) 

Os velhos e malditos olhos “azuis” estão de volta

Mesmo depois dos independentes e da abertura do mercado aos inúmeros valores do rock nacional, pouca coisa mudou para Serguei, que inclusive já comemorou vinte anos de carreira. Graças ao novo movimento de penetração do rock no Brasil ele pode, é claro, reaparecer. Mas uma coisa é indiscutível: continua maldito. Isso, apesar de ter sempre mantido vivo em seu trabalho um dado fundamental para o rock n roll: garra no palco, frenesi nas apresentações  e liberação total da energia que carrega dentro de si mesmo. Serguei é visual, é vigor do rock contagiando seu público. Há vinte anos ele rebola, se pinta, descabela, ama seu público, berra, se esgoela e cativa mas sempre da mesma forma: um escândalo.

Mas até hoje ninguém se acostumou. Desde 63, quando começou a cantar (gravou pela primeira vez em 66) Serguei carrega em sua rebeldia o protesto adolescente contra a mãe que obriga o filho a cortar o cabelo. Decidido, o rapaz alegre pintou com seus olhos azuis, (lente de contato), requebrando e jogando os cabelos lisos pra trás, enquanto cantava “As Alucinações de Serguei”, única música composta por ele mesmo. A jovem guarda era o baby-boom nacional, reflexo direto dos Beatles. Serguei no entanto puxou mais o lado de Mick Jagger, o lado crioulo do rock, com aquela intensidade toda.

Chamou atenção, ganhou os jornais, e se tornou o escândalo fixo em 25 programas do Sr. Flávio Cavalcanti. Declarou, berrou, fez todas as caretas que quis e foi parar na Globo, no programa do Topo Gigio, onde levou milhares de crianças ao delírio raspando a cabeça no ar, por “sugestão” do produtor. Depois de 45 minutos no Programa Silvio Santos escancarando e enlouquecendo a massa, o polarizador (como ele mesmo se diz) do símbolo hippie de paz e amor no Brasil ultrapassou os limites morais da Censura que, naquela época era feroz. Passou um tempo cantando em cabarés da zona sul e depois fez o que devia: pegou as malas e se mandou para os Estados Unidos ou, como ele diz para a América. “Na América eu me dei muito bem. Fui o único artista pop-rock nacional a cantar para os americanos. O resto é mentira. Eu ganhei uma página inteira do Good Times, porque EU fui a Oister Bay, e cantei para uma plateia de 2.000 teenagers cagados, rasgados, suados, bêbados e maconhados, e eles me adoraram. Eu era o superstar do rock “South América”.

Realmente, nos Estados Unidos, Serguei ganhou mais dinheiro, foi mais respeitado, como era de se esperar. Conheceu Janis Joplin, cantou com ela, beijou-a na boca, fotografou esse beijo e, entre tantas mil outras coisas, teve até a oportunidade de gravar um disco que, segundo ele, teve que ser desperdiçado porque seu pai estava muito doente na época e teve de voltar correndo para o Brasil.

Maldita volta. O grande star do rock tupiniquim foi parar atrás de um balcão de joalheria, dessas grandes, que pedem que o vendedor fale em inglês. Nesse tempo, foi sacaneado por um grande jornal que publicou “ex-roqueiro agora é vendedor de souvenirs”.  Mais tarde, foi atormentado no bom sentido por Zé da Gaita que berrava ao telefone “Serguei você é uma besta, você é uma estrela, você tem que voltar, vamos à Rádio Fluminense”.

Vontade era o que não faltava e ele voltou mesmo. Seu compacto pela Fermata já foi lançado: no lado A, Hell’s Angels do Rio, composta por Marcelo Xavier, da banda Cerebello. É a música forte do disco e, segundo Serguei, será tocada em Mas, inclusive nos Haroldos de Andrade da vida. No lado B “Ventos do Norte” que, para não fugir à sua tradição de maldita, é a executada apenas na Rádio Fluminense.

Apadrinhado pelos Hell’s Angels, Serguei explica mais essa maldição em sua vida: “Eu estava tocando no Let It Be Bar, quando eles entraram vestidos de couro, tatuados, empunhando seus capacetes e dando um colorido todo especial à plateia. Sentaram e aplaudiram delirantemente e então eu os anunciei. Depois do show, o presidente dos Angel’s, o Falcão, veio me cumprimentar e disse que eles tinham muita afinidade com o meu trabalho, porque eu era o único artista brasileiro que tinha o veneno do rock, pela minha performance de palco. Então disse que a partir de então, os Angel’s iriam a todos os meus shows”.

Quanto a fama de violentos, Serguei explica que “Os Hell’s Angel’s não são nenhum bicho papão. Não mexem com ninguém, a não ser que sejam provocados ou que provoquem a quem ele amam. E ademais, não pod haver discriminação. Os Rolling Stones que são a maior banda de rock do mundo, sempre foram os maiores marginais do rock’n’roll. Sempre quebraram todos os hotéis, sempre foram desaforados, sujos, bêbados e drogados. Então por que se assustar com os Hell’s Angel’s?”

A amargura que carrega pelos seus vinte anos de carreira maldita não tirou de Serguei o amor pelo palco e pelo rock’n’roll: “Eu posso não ser um cantor maravilhoso, mas acho que sou um grande intérprete pelo meu feeling, pelo que eu tiro de dentro de mim. Então eu acho que sou a maior presença em palco do Brasil em termos de rock’n’roll. Eu tenho muito mais a informar do que grupos que não tem nem seis meses. Mas grande parte da imprensa não pensa assim, e não me dá o espaço que eu merecia...”

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