20 de julho de 2018

Série O Resgate da Memória: 49 - Alice Pink Pank


Alice Pink Pank era uma figura enigmática. Foi uma das Absurdettes nos primeiros tempos da Gang 90, depois tocou com Lobão e Os Ronaldos. Saiu da banda, gravou um compacto que nem chegou a ser trabalhado pela gravadora e sumiu. 
Ainda que tarde, até onde me lembro, esta matéria da Roll foi a que respondeu as diversas perguntas que rondavam Alice que, no máximo, sabia-se que tinha vindo da Holanda. Bem, ao menos era essa a única coisa que se sabia na longe Brasília... :)




Alice in Wonderland
Por Luis Carlos Mansur
Revista Roll – abril/1985

Quem exige um mínimo que seja de sofisticação e criatividade no rock que rola pelos trópicos, certamente vai se encantar com Alice. Depois de participar da lendária Gang 90 & Absurdettes e dos irados Ronaldos, eis que ela pinta com um compacto e promete, em breve, um lp.

Alice já foi Pink Pank, Ronaldo, e agora resolveu assumir seu nome puro e simples. “Não quero ser rotulada de qualquer coisa, eu sou simplesmente Alice e pronto”. E não é pouco. Afinal, desde que desembarcou por aqui, há quatro anos, ela vem participando das propostas mais interessantes e inovadoras do rock falado em português, a começar pela Gang 90 (quem não se lembra?), projeto do saudoso Júlio Barroso e que foi o primeiro grito longínquo prenunciando toda a onda que viria depois. “Eu estava dançando pela Paulicéia Desvairada, onde o Júlio era DJ, e pedi uma música. Ele imediatamente me convidou para entrar no grupo. Na época eu não entendia nada do que estava se passando, de repente lá estávamos nós cantando pra milhares de pessoas” (“Perdidos na Selva” o grande estouro do grupo, no asqueroso MPB-80 da Globo). Hoje, Alice faz questão de fazer oque quer, controlando na medida do possível o resultado final do seu trabalho.

ALICE E O U2

O rock só entrou mesmo na sua vida aqui no Brasil. Alice era bailarina, da Austrália, onde nasceu, à Holanda, onde viveu uns tempos. Rola a famosa história de sua participação no LP “Boy” do U2. “Eu fiquei amiga pessoal do U2 e um dia, aparecendo no estúdio, acabei fazendo uns backing vocals. Mas foi só acidente. Eu realmente não pensava em fazer carreira com o rock”. Dessa época, guarda as preferencias mais frequentes: U2 (claro), Siouxsie, B-52’s, Talking Heads. Hoje, Prince. “Mas o que eu acho é que o som que se faz na Europa hoje em dia é muito depressivo. Eu falo com meus amigos de lá que, pelo menos, nenhum deles vai morrer de fome, enquanto aqui no Brasil eu vejo as pessoas morrerem do meu lado, na rua. E nem por isso o pessoal de cá embarca numa onda “deprê”. Minhas músicas podem ser melancólicas, mas eu sempre procuro passar uma energia positiva, que é o fundamental”. Fica dado o recado para os nossos lamentáveis “pós-deprê”...

TRABALHO COM LOBÃO

Mas como é que essa menina veio parar no Brasil? “Eu estava completamente pirada, resolvi dar um tempo, apontei para o mapa e acabou caindo no rasil”, diz em tom de blague. “Esperava só passear uns meses e acabei ficando”. Menos mal, porque ela já marca sua presença na nossa música contemporânea. Afinal, na sua segunda participação em disco por aqui – LP “Ronaldo Foi Pra Guerra” – pode-se constatar seu talento como cantora e compositora, em músicas como “Bambina” e “Inteligenzia”. “quando eu entrei para os Roanaldos, já estava claro que eu só ia ficar por um tempo. Eu entrei para tocar teclados – nem sabia e acabei aprendendo. Depois saí para fazer meu próprio trabalho, coisas que tinha mais a ver comigo mesma”. No seu trabalho atual, Alice prefere deixar os teclados para a banda que a acompanha e desenvolver mais o lado performático. “Tocar teclados é bom, mas também frustra um pouco, não dá para se movimentar no palco”. Ela pensa em contactar bailarinos e artistas plásticos para dar um realce nas suas apresentações ao vivo (aliás, como são poucos os rock’n’rollers pátrios que conseguem apresentar um show sem traços de amadorismo).

MPB ANACRÔNICA

E por falar no rock do lado de baixo do Equador, ela tem muito a dizer: “Acho que agora estão pintando coisas realmente interessantes, como por exemplo Voluntários da Pátria, a Legião Urbana – embora o disco não tenha feito justiça a este grupo. Mas ainda existe muita picaretagem por aí – é enorme a quantidade de bandas que aparecem sem um trabalho consistente. O que me espanta é como num país com uma tradição musical tão rica, como o Brasil, a maioria dos grupos daqui se limita a copiar o que vem de lá de fora” (Olhaí! Olhaí!). “É preciso um grupo inglês qualquer aproveitar elementos da música brasileira pra que muita gente se sinta disposta a fazer isso por aqui, quando devia ser exatamente o contrário”. O esquema de divulgação do rock também merece reparos: “vendem o rock no meio de todas as outras coisas, sem diferenciá-lo, criar um espaço próprio. Daí todo esse esquema de danceterias, programas de auditório, play-backs etc. É claro que se você confia no seu trabalho, não vai ter medo de entrar nesse jogo, senão fica uma coisa muito elitista. Se você está seguro de que faz algo de qualidade, fatal,mente vai marcar sua diferença. Agora, eu acho que o pu´blico está começando a ficar mais exigente, a ter uma visão mais crítica do trabalho do artista, principalmente em São Paulo. E se isso tudo tem que mudar não vai se com um ‘movimento organizado’ – odeio essas coisas – mas porque as pessoas que levam a sério o que fazem vão à luta com seus próprios meios”.

Quanto à “nova era” que se anuncia, Alice vê as coisas muito caóticas. Lobão, há algum tempo, previa outra movimentação multimídia como fora a Tropicália, há séculos. Alice acredita que isso está pintando, embora de forma ainda dispersa. É claro que , se analizarmos os principais movimentos de ideis que espoucam aqui e ali no tempo, verificaremos que o começo foi embalado, quase sempre, pelas ondas da casualidade. Não será melhor assim?
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O COMPACTO
O compacto simples com “Baby Love” e “24 Frames Per Second” é a primeira incursão solo de Alice e já é uma amostra do seu talento, que começa a vir à tona. A primeira música, uma balada cantada com emoção (segundo ela mesma, foi tudo “straight from the heart”), e com um belíssimo arranjo, destacando-se a guitarra de Herbert Vianna (completamente diferente do seu estilo “paralâmico”, confirmando suas já sobejamente reconhecidas qualidades de guitarrista). A bateria eletrônica é seca e contida, e traz reminiscência de Laurie Anderson. Os backing vocals feitos pela própria Alice estão perfeitos, compondo muito bem o clima sugerido pela música. Quanto ao outro lado, é cantado em inglês, com um eficiente arranjo de teclados e uma estrutura que lembra “Inteligenzia”, o que prova que Alice tem um estilo próprio sem comparação com as demais vocalistas mais em evidência por aqui, todas fazendo o estilo “nem débil-mental”. Destaque para a produção de Liminha. Realmente, é muito bom sentir os ventos de civilidade que – ainda tímidos – começam a varrer o rock in Brazil. Toda a força. (L.C.M.)








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