26 de janeiro de 2015

As Preferidas do Tocador 2

PIL é uma de minhas preferidas, disparado. Mesmo discos completamente doidos como Flowers of Romance, eu amo. Aqui mesmo já disse que toda vez que anunciavam uma nova reunião do Sex Pistols, eu ficava puto, porque eu queria, na verdade, que anunciassem a volta do PIL, coisa que só foi acontecer anos atrás.

Tem muita história por trás desse disco This is What You Want... This is What You Get... que, pra mim, é um super ultra mega master blaster discaço!!! Em 1983 quando parte do disco já havia sido gravado, Lydon se desentendeu com Keith Levene, que saiu da banda e lançou o que haviam gravado, com o título de Commercial Zone. John Lydon resgatou músicos e regravou quase tudo o que haviam feito. Nessa altura do campeonato só ele havia sobrado do PIL original.


Quem apareceu com esse disco em Brasília foram os irmãos Mueller, André e Bernardo, não sei ao certo qual dos dois, mas sei que o disco foi parar em casa, como quase todos os importados que rodavam pela Turma. Eu tinha um ótimo sistema de som, e todo mundo queria gravar discos em casa. Me dava bem.

This is What... era disco que eu escutava no ônibus indo pra escola às 7h da manhã, e escutava também nos rolés de carro nos finais de semana.

PIL é radical, experimental e, apesar desse disco ter alguns hits como “This is Not Love Song”, “Solitaire” e “This is What...”, o disco é esquisito e não é pra qualquer um. PIL nessa época estava bem na fita, vinha do disco Live in Tokyo, e ainda em 1984 John Lydon lançou com Afrika Bambaataa o mega hit “World Destruction”. Se fosse pra ir a uma ilha com um disco do PIL, certamente seria este. Não é pra qualquer momento, mas me traz boas energias.

Nessas últimas semanas tenho ouvido também Interpol, o primeiro da banda chamado Turn on the Bright Lights. Um clássico dessa geração. Um ano antes teve o Is This It do Strokes e depois essa outra porrada! É um grande disco. Tem gente que gosta de depreciar e comparar a Joy Division. Sim, a influência está na cara, mas não é assim uma cópia. É um disco pra se escutar alto!

O grande destaque, sem dúvida é o baixista Carlos Dengler, que arrebenta. Faz um baixo melhor que o outro. Um primor de baixo pós punk. É um disco que também escuto a qualquer hora. Eu que gosto de sair pra dançar de vez em quando (tá em SP? bora dançar?!?), sinto falta de um Interpol. Esse disco inteiro pode rolar numa pista. Ele foi eleito o melhor disco, entrou na lista de sei lá o quê, foi premiado e tudo. Legal, pacas. É um disco robusto, de peso e, como disse, pra se escutar com volume alto.

Ainda quero escrever sobre The Hives, merece um registro. Sem medo de ser feliz digo que é uma das melhores bandas dessa geração 2000, apesar de ter sido formada em 1993 e lançado o 1º em 1997. É uma banda que sabe se divertir, tem humor e faz um excelente punk rock que lembra bastante bandas tipo Buzzcocks, Generation X, Stiff Little Fingers.

Uns riffs de guitarra secos, o baixo, bateria também seca. Porrada mesmo! Já vi shows pela tv e são ótimos, gosto de toda discografia, mas destaco The Black and White Album e Lex Hives. Esse último tenho escutado direto! É um hit atrás do outro, boas ideias, execução de primeira. O vocal de Howlin’ Pelle é porrêta, o cara grita sem ser chato. É um belo time. Hives é bom pra escutar quando vai se preparar pra night. Põe o som alto, vai tomar banho, escolher a roupa...

Disco que não sai de forma alguma do meu tocador é E Agora Pra Dançar?, do Gueto, que já escrevi aqui. Esse é foda! É um dos melhores de toda década de 80 e, junto com Rosas & Tigres da Gang 90, é o melhor da 2ª geração dos 80. O disco é bem gravado, dá pra ver que teve todo um carinho pra fazê-lo, os teclados, toda a parte instrumental. A qualidade se destaca entre os discos gravados na época aqui no Brasil. As composições são absurdas de boas e as letras são um caso a parte, porque também formam um dos melhores conjuntos de letras de toda década. JC fala de amor, de política, comportamento, e todos os textos, de alguma forma, são muito espiritualizados, não só “Alma” e “Acreditar em Deus”. É de chorar de bom. E Agora Pra Dançar? é desses discos que poderia ser gravado daqui a 20 anos. É atemporal e te põe pra cima. Impossível escutá-lo sem mexer a cabeça ou bater o pé no chão. A banda estava deveras iluminada quando o gravou.

Run-D.M.C. é desses grupos que um monte de gente usa camiseta, mas não escuta. Os três primeiros discos são clássicos absolutos e não é exagero afirmar que Run-D.M.C. era um dos diferenciais dos anos 80, ajudou a mudar o rumo do pop, rap, rock. King of Rock, o segundo do grupo, lançado em 1985, tem rap e rock de primeira. Bons riffs de guitarra (gravados por Rick Rubin) e ótimas letras. Não precisa ser fã de rap para escutar Run-D.M.C. Se você tem a camiseta, então escuta carai!!! You Talk to Much!

Tem poucas bandas e artistas que conseguem ter vida longa e lançar ótimos discos por décadas. The Cure é uma dessas. Já escrevi da banda aqui, que é das minhas preferidas, então nem vou me alongar rsrs. Robert Smith já disse que os discos que sintetizam o som da banda são Pornography, Disintegration e Bloodflowers, mas tem outros que muita gente despreza, mas que eu adoro. Kiss Me Kiss Me Kiss Me e Wish. Eu tiro o chapéu para esses discos porque ao mesmo tempo que tem canções pop lindíssimas e baladas, também tem coisas densas como The Kiss. O Kiss Me... até considero um disco corajoso porque veio depois de The Head on the Door, o de maior sucesso da banda e que a tornou mundialmente conhecida. Tenho escutado os dois na sequência.

Assim ponho o fone no ouvido e vou nessa.





7 de janeiro de 2015

Especial Discos Históricos: 6 - Legião Urbana (1985)



Há exatos 30 anos a Legião Urbana lançava seu primeiro disco...

No final de 1984, acho que em setembro ou outubro, começou a circular entre o pessoal da Turma, as primeiras cópias teste do primeiro disco da Legião. Era um disco que tinha apenas uma capa branca, sem nada escrito nela. Eu disse “as primeiras cópias”, mas não sei quantas eram, sem dúvida não passava de apenas 4 ou 5.

Assim que surgiram, uma delas acabou indo parar em casa, porque lá tinham duas pick ups e dois toca fitas, junto com ele surgiu uma lista de gravações pra fazer rsrs. Obviamente todos os amigos queriam uma cópia, então passei dias gravando.

Confesso que nunca engoli muito bem esse disco. Claro que adoro e ouço, mas é uma decepção, porque ele não conseguiu passar o que era de fato a Legião Urbana de 1984, ano em que foi gravado. Os shows tinham peso, as demos tinham peso, e chegou na hora de fazer o disco, tudo isso caiu por terra, por causa da gravadora, do medo dela que, na verdade, queria fazer algo mais folk, acredito que uma coisa bem próxima ao soft rock. Ninguém da EMI conhecia a banda dos shows no Circo Voador ou outro lugar, ninguém entendeu o contexto e as influências.

De sua geração, não foi só a Legião que sofreu com a produção do primeiro registro e a relação com os executivos. Mas foi difícil, bem difícil fazer esse disco. Só o contrato demorou entre 4 ou 5 meses pra ser assinado. A Legião não queria lançar compacto – coisa que todos os artistas faziam na época, principalmente os novos – e conseguiu ir direto para o LP. Houve problema com produção até finalmente chegar ao José Emílio Rondeau, que também quase desistiu. As discussões eram sobre muitas coisas, a banda queria mais guitarra, e a gravadora mais violão...

Não fui o único a me decepcionar, por saber que poderia ter sido muito mais, mas isso de forma alguma tira a grandeza do disco, e o ouço normalmente. Dessa época há muitos discos mal gravados, mas que se superam por conta das músicas e do conteúdo (Barão e Titãs são bons exemplos). Muita gente ama esse disco e nem sabe que ele poderia ter sido bem melhor gravado, então tudo ok.

A expectativa era a venda de ao menos 5 mil cópias, mas o disco logo chegou as 50 mil. Legião era diferente dentro do contexto da época e isso fica claro nos textos que li para fazer essa postagem. Quando Legião apareceu com “Será”, “Baader-Menhof Blues”, “O Reggae”, “Teorema”, “Geração Coca-Cola”... por mais que fossem bandas de respeito, o que tocava nas rádios era “Louras Geladas” (RPM), “”Bete Balanço” (Barão), “Como Eu Quero” (Kid Abelha), “Óculos” (Paralamas). Pra quem ainda nunca tinha ouvido, era sim diferente do que estava tocando.

Em Brasília, tirando os amigos, o resto da cidade só foi conhecer a Legião quando a banda lançou o disco. Até havia na cidade quem duvidasse da informação de que se tratava de uma banda da Capital.

De todas as reportagens que li a respeito do lançamento, escolhi essas para postar por terem boas informações. Puxando a sardinha para meu lado, todas essas reportagens me lembraram de um dos motivos que me fizeram escrever um livro sobre a Turma da Colina: a falta de organização em relação a história de Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial, Escola de Escândalo e, dentro desse contexto, Paralamas. As informações eram picotadas, cada reportagem falava uma coisa, mas sempre de forma incompleta, errada, fora de contexto. Assim resolvi organizar tudo.

Esse primeiro registro da Legião Urbana, inclusive, mudou a cabeça de muito artista.

Ouça no volume máximo!

Saiba mais sobre o contexto desse disco em O Diário da Turma 1976-1986

PS1: “Será” foi composta já pensando no disco e não é necessariamente uma música de amor, ela tem zilhares de interpretações. “Tire suas mãos de mim”, por exemplo, é um recado para a gravadora.

PS2: O disco teve diversas prensagens e capas com detalhes diferentes. As primeiras eram apenas o nome da banda e a foto, depois veio uma nova com os desenhos laterais, e por fim com o nome e desenhos em relevo.

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Incendiando o Planalto
(Revista Roll, Ano 2, nº 16, janeiro de 1985)

Por Luiz Carlos Mansur

Brasília era conhecida em todo país por duas imagens nada lisonjeiras: uma arquitetura modernosa e desumana e um movimento cultural inexistente. Mas a nova década trouxe muitas promessas e uma realidade concreta: o rock é a primeira linguagem própria que a Capital lança aos ares nacionais. Comandando um exército de “burgueses sem religião”, a Legião Urbana ultrapassa as fronteiras do rock brasileiro em direção ao futuro. E o futuro é agora.

Abril de 1960: todos os sonhos do país se concentram no Planalto Central. Juscelino Kubitschek deixa a marca derradeira de seu projeto desenvolvimentista: Brasília, um pedaço do “século XXI” no cerrado.

1985: depois de vinte anos de pesadelo, o Brasil volta a sonhar embalado pelo doce canto da Nova República. Não tão nova assim, mas tudo bem. E Brasília? A “novacap” já pode ser considerada uma grande cidade. Com todos os vícios de qualquer outra, agravados por um projeto urbanístico que serviu à perfeição para o isolamento de uma elite de poder tendo à sua volta, nas cidades satélites, uma legião de miseráveis (Pequena observação: é curioso que arquitetos “progressistas” como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer elaborem, sistematicamente, obras grandiosas sem nenhum respeito pelo cidadão comum que vai utilizá-las, ao melhor estilo da arquitetura fascista – remember Sambódromo).

A “marcha para o Oeste” não se efetivou. Pioneiros que deixaram sangue e suor em cada palmo da cidade foram desconsiderados ou esquecidos. O movimento cultural era simplesmente nulo. Durante a ditadura mais desenfreada, parecia mesmo não haver saída, para quem quisesse produzir algo de interessante.

Mas nos meados dos anos setenta, contra o marasmo geral, Londres chamava o mundo. Um recado com sabor de urgência: toquem-se, porra! A juventude (classe média, claro) brasiliense, próxima aos centros de poder, tinha acesso muito mais rápido ao que vinha de fora. E mandou ver.

No final da década, pinta no cerrado a banda Aborto Elétrico, precursora da atual onda de rock na cidade. Seu fundador era nada mais nada menos que Renato Russo, futuro baixista, letrista e vocalista da Legião. O Aborto foi o primeiro de uma leva de grupos que invadiram a Capital, muito antes que o Brasil inteiro virasse “new wave” (quá, quá, quá). E já como um som muito mais consistente que o habitual nas FMs de hoje.

Na virada dos 80, o rock brasiliense já está mais amadurecido. Entre os novos grupos, destacam-se Plebe Rude, Capital Inicial e a Legião, então um power trio (Renato Russo, mais Dado Villa Lobos, guitarra, e Marcelo Bonfá, bateria). Características comuns a todos: músicas simples, sem firulas instrumentais (no melhor estilo da vanguarda britânica), mas produzino belos efeitos; e letras iradas, flashes urbanos detonados com muita garra.

Verdadeiras pérolas de despojamento e revolta sem babaquice. A Legião começou a ser conhecida no eixo Rio – São Paulo com o surgimento da rádio Fluminense-FM (Rio), abrindo espaço para coisas novas. Logo os cariocas curtiram “Ainda é Cedo” (o grande hit do grupo), “Geração Coca-Cola”, “Petróleo do Futuro” e outras músicas que destoavam do rock “folias na praia” cometido no Rio. Os shows da Legião e de seus colegas de Brasília foram o colírio do público no circuito carioca e paulista

Finalmente o Planalto dava o ar de sua graça, com um movimento próprio e pessoas que tinham o que dizer e como dizer, melhor que muitos no Sul maravilha. Músicas como “Química” e “Veraneio Vascaína”, saídas da mente fértil de Renato Russo, entraram no repertório dos shows dos Paralamas do Sucesso, velhos amigos dos tempos de Brasília (“Química” foi gravada pelos Paralamas, tornando-se hino instantâneo de todo candidato a universitário otário).

E com o crescente prestígio do grupo, o clamor popular por um LP chegou aos ouvidos das internacionais do vinil. A Legião poderia frequentar os pick-ups mais esclarecidos do país. Antes das gravações, um novo legionário: Renato Rocha, o popular Negrete, assume o baixo, deixando o palco livre para Renato Russo soltar sua voz grave e seca como não há no rock nacional

O disco, prometido para o final do ano passado, só saiu mesmo no começo de 85. E as expectativas foram satisfeitas, há alguns senões: - Em ‘Soldados” (uma letra brilhante) e na nova versão de “Ainda é Cedo”, é difícil não fazer comparações com U2 (está última, aliás, tinha um arranjo muito mais interessante na fita “demo” que rolava na Flu-FM).

Mas isso não vai desmerecer de forma alguma o trabalho dos rapazes. O resultado final vai satisfazer, e muito, os fãs do bom rock feito aqui. Músicas como “Será” e “O Reggae”, além das já citadas, são cantadas pelos quatro cantos do país. Em breve, até as pedras das ruas vão aplaudir a Legião, que tem vencido sistematicamente suas batalhas. Mas a guerra, vamos ver... e torcer.

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Carne viva, cicatrizes sem verniz
(Revista Som Três, abril de 1985, nº 76)

Por José Augusto Lemos

Rápida e rasteira, a hora e a vez de Augusto Matraga: não há muito o que dizer sobre esse disco, você só precisa escutar o que está acontecendo, palpitando aqui. Rock, pop, o diabo... é o grande (seria o único, se os Voluntários da Pátria não tivessem soltado o seu, no ano passado) registro-fruto da MPOPB cujo “ciclo” os complacentes acreditam ter começando com o compacto da Blitz em 82.

Mas tem mais, mais que uma coleção de rocks em arranjos simples, mas só pela lapidação sucessiva de um bisturi lavado em ácido, baixo gordo, de vibrar as costelas, mixado junto com o bumbão à frente, densidade rítmica nunca dantes obtida nesta terra (uma belíssima produção de José Emilio Rondeau). 

Tem mais, e pode ser o começo de algo maior ainda. O principal: tem uma alma exposta, cicratizes e carne viva, nenhum sinal de verniz ou casca grossa. São as letras e o vocal de Renato Russo, e ele está mal começando. Dá pra sentir os resquícios da fúria militante do punk de 77, uma questão de formação/informação, ficando pra trás. O disco gira, e a cobra não para de trocar a pela. Estou ouvindo atento, aliciado e colado, mas já interessado no que está para vir depois.

Ao lado da militância (“Soldados” e “O Reggae”), a ressaca da militância (“Baader-Menhiof Blues”: “já estou cheio de me sentir vazio/meu corpo é quente e estou sentindo frio/todo mundo sabe e ninguém quer mais saber/afinal, amar ao próximo é tão demodê”). 

Depois de acordar do primeiro sonho, vem a cintilância, lucidez da ressaca amorosa, em especial da especialíssima “Ainda é Cedo”, precisa demais pra ser manchada com esses e outros adjetivos. As rádios deveriam colher essa dose de implacável na´´alise da célula chamada casal, tá garantido o apelo universal, e fazer dela um petardo de platina latino-americana.

Só uma faixa escapa do quilate e da temperatura gerais. “Por Enquanto” também tem uma letra carregada e climática, só o arranjo acaba descaracterizando a marca da Legião, ao sair da cola do esqueleto anguloso baixo/bateria, completada com longas notas ao sintetizador, ou seja: uma das marcas registradas do binômio Joy Division/New Order. Claro que é uma influência das melhores, mas esses caras estão além (podem ir além) de influências e pontos-de-referência. Feita a ressalva, acabou o serviço.

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Legião Urbana, rock e indagação
(Jornal O Estado de São Paulo, página 14, 26 de abril de 1985)

Filhos da Revolução, como se autodefinem, Dado Villa-Lobos, Renato Rosa (sic), Renato Russo e Marcelo Bonfá há muito preferiram não silenciar. Corria o final da década de 70, quando esses quatro brasilienses, percebendo uma lacuna na vida cultural do Distrito Federal, decidiram movimentar as noites da cidade: “própria para qualquer esporte, porque equipada com largas avenidas, parques e quadras, pecava pela ausência de alternativas musicais”. 

A ideia foi criar uma banda. Uma não, foram várias, um dia criadas, noutro desfeitas – “nossa atividade era ‘bolar’ os nomes” – até o grupo definitivo, o Legião Urbana, principiante, de certa forma, mas elogiado pela crítica especializada. As primeiras experiências, hoje lembradas com entusiasmo, verdadeiras aventuras   pelos espaços brasilienses, frutificaram: o Legião está lançando seu LP de estreia e ganha, para marcar a data, três espetáculos, hoje e amanhã, a partir das 23 horas, no Rádio Clube e domingo, em matinê, na Pool.

Na opinião de Renato Russo, a trajetória do grupo, bem como sua concepção, prende-se a formação de seus quatro integrantes e a própria condição de vida no Distrito Federal: “É lá onde tudo acontece, onde se tem acesso às informações, onde o intercâmbio com o exterior é mais rápido, pela presença dos corpos diplomáticos”. O primeiro grupo, batizaram de Aborto Elétrico, espécie de homenagem a uma menina que perdeu o filho quando foi agredida durante uma passeata. 

A partir daí, sempre ligados à Universidade de Brasília, atentos aos acontecimentos políticos, seus trabalhos chegavam ao pequeno público que tinham, marcados por uma reflexão crítica que até hoje confere ao Legião Urbana um lugar especial no rock brasileiro. “O Paralamas e o Barão Vermelho abriram caminho...” Eles dizem que berravam tudo o que tinham direito. Renato Russo lembra: “Tínhamos uma música assim: Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da Nação. Depois tinha o refrão: Que país é este! Que país é este!”

Naquela época, saíam à procura de espaço para se apresentar. Quando conseguiam – qualquer lugar valia –, distribuíam folhetos com as letras das músicas. Encontravam apoio entre os amigos que, como eles, não gostavam de discoteca. Agora, passados alguns anos, o grupo está surpreso com a reação dos públicos paulista e carioca. Na danceteria Mamão com Açúcar e no Circo Voador, no Rio, os fãs não só apareceram como cantaram junto, excelente indicador para uma banda cujas músicas ainda não fazem parte das programações das emissoras de rádio. 

Em São Paulo, a surpresa não foi menor. No programa de Fausto Silva, da TV Record, o público pedia músicas. Além disso, chamaram a atenção da imprensa. Certos de que para fazer rock não é preciso “cantar baby, baby”, também seguros de suas tendências para um trabalho mais cerebral, de questionamentos múltiplos, não apenas políticos, eles reúnem em seu primeiro LP do rock experimental à balada, do reggae à “pauleira”, mas advertem: “Nâo é new wave, não é punk, é Legião Urbana”.

No show, eles vão mostrar todas as faixas do disco, exceto “Por Enquanto”, impossível de se reproduzir ao vivo – “falta teclado” – além de algumas surpresas, como “Conexão Amazônica”, composição cuja letra, para ser liberada pela censura, há algum tempo atrás, teve de ser alterada no trecho em que mencionava drogas, embora, segundo Russo, seja, na verdade, um alerta contra as drogas. As músicas que compõem o LP, da experimental “Soldados” a “O Reggae” – “um reggae que ficou com um certo ar de música grega” – todas foram selecionadas por eles mesmos – “o bom é que nos deram toda a liberdade” – reunindo os mais representativos trabalhos da banda. 

O resultado final, segundo Renato Rosa (sic), superou todas as expectativas. Para Russo, nem tanto, mas Dado Villa-Lobos justifica a observação do companheiro: “A crítica é boa, mas a gente, como todo artista, está sempre insatisfeito”. Eles querem agora tentar uma fusão entre os vários gêneros. Russo está de “olho no chorinho”.