23 de maio de 2013

O Universo da Cultura Pop no Brasil 1


Adoro dar título cabeça para conversa de boteco. Há muito o que falar sobre isso e o assunto não terminará nesta postagem. Às vezes me pergunto sobre os motivos pelos quais os meios de comunicação especializados em entretenimento e cultura pop não valorizam sua matéria prima. Já falei por alto disso antes em algum post da série Mais do Mesmo e agora quero voltar a falar desse assunto.

Me pergunto se esse desinteresse é preguiça, burrice, falta de tato, desconhecimento, desdém... Não é possível que as pessoas que comandam esses veículos não percebam a riqueza de conteúdo para se explorar!!! Não-é-possível!!!

Hoje leio as críticas de lançamentos de discos e filmes e a impressão que dá é que continuo em 1980, lendo as mesmas palavras que lia na Som Três, Pipoca Moderna, Roll. Parece entrevista com jogador de futebol, que passa décadas e continua a mesma coisa.

(só quero fazer um aparte que lembrei agora: li esses dias uma bela entrevista com a diretora artística do canal GNT. Era sobre as séries brasileiras que estrearam no canal. Segundo a diretora, o maior problema é o roteiro, os roteiristas. Claro! Ninguém lê nesse país!!!! Como a pessoa pode querer escrever e criar se não tem o hábito da leitura???).

Quando entrei na MTV fiquei maluco. Entrei free lancer como produtor e fiz de tudo para ficar lá. E foi o que aconteceu. Astrid Fontenelle acreditou em mim, viu meu esforço. Ela era a chefe na época e quando acabou o projeto pediu para eu ficar lá por um tempinho como freela pois não tinha vaga para me contratar. Tempos depois fui contratado.

Foi um sonho realizado. Não só por ser MTV, mas pelo ambiente de trabalho e, principalmente, por juntar duas coisas que amo nessa vida: música e televisão. Até 1997, não só eu, mas muita gente trabalhava por tesão, de coração. Ganhávamos pouco.

No final de 1996 fiz um projeto que era um programa gravado com 3 horas de grade que era pra passar na madrugada de sábado para domingo, da meia noite até às 3h. No fim, esse projeto virou dois: o Quizz MTV e o Ultrassom. Nunca tive muito espaço e prestígio lá dentro, muito por não fazer política (graças a Deus), mas conseguia fazer algumas coisas.

Lá, apresentei diversos projetos, todos devidamente ignorados. Bolei um telejornal semanal com cobertura de shows, lançamentos, entrevistas, atualidades. A agenda cultural de SP é extremamente rica! Você até pode dizer: “ah! Sempre só SP ou RJ”. Normal já que as estreias acontecem nesse eixo. Isso não quer dizer que o que acontece em SP ou RJ não acontecerá em outras capitais e interior. É muito caro viajar para cobrir pautas em outros estados. O custo de uma matéria externa, digamos, básica não saí por menos de R$ 2.000,00. Isso se for em SP ou RJ mesmo. Imagine viajar só para fazer uma reportagem de, no máximo, 5 minutos.

Bem, fato é que se perde muito ignorando tamanha agenda. Fazendo uma analogia com futebol (que é muito bem explorado), é como se os canais esportivos não fossem cobrir as partidas de futebol e os treinos dos times. É isso que acontece na cobertura de cultura. Os jornalistas não vão a shows, ao teatro, estúdios, ensaios, exposições e filmes.

Cinema merece esse parágrafo. O profissional vai à cabine (sessão fechada para os jornalistas) e dá sua opinião. Folha SP, Estadão, Globo, etc todos os que escrevem nesses jornais odeiam blockbuster, então obviamente darão uma estrela para um filme que não viram. Porque diabos o jornalista não vai em uma sessão normal, aproveita para falar com o público antes e depois do filme. É fácil. É só escolher, sei lá, cinco pessoas, falar com elas antes de entrar na sala e depois do filme. A reação do público durante o filme é de suma importância. Pronto! Olha só que riqueza de material o jornalista “especializado” terá na mão para escrever sua matéria. Aí ele até pode ficar na soberba dele e dizer: “Eu não gostei, mas as pessoas, na sala de cinema, a fila, a reação pós filme...”

Com música a mesma coisa. Eu queria pegar uma equipe e ir cobrir um show como de fato se deve cobrir um show. Primeiro que isso de cobrir show não existe aqui no Brasil. Existe a cobertura dos grandes festivais, que é uma bosta, porque os profissionais são super bem tratados, ficam em backstage e na hora de escrever põe no papel outra realidade. Tem que ir falar com o público na entrada do show, a expectativa, já conhece, foi difícil conseguir ingresso, tem cambista, está organizado, foi caro, mostra trecho do show e, por fim, vai ao camarim entrevistar o artista, pegar ele ainda cansado e suado, porque a primeira impressão ainda vem cheia de adrenalina. Ele vai falar da turnê, da preparação e os ensaios, do repertório, o novo trabalho, enfim. Depois que falar com o artista, volta a falar com o público pra saber o que achou do repertório, do palco, da banda, comparação com outros shows, o novo disco, as novas músicas.

No teatro a mesma coisa. O repórter chega junto com os atores, conversa com eles durante a maquiagem, fala com as pessoas da equipe, mostra o palco vazio e o público chegando, conversa com as pessoas. A mesma coisa em um lançamento de livros, exposição, datas comemorativas, eventos especiais. Muita coisa acontece. Tanto em teatro, quanto em música dá pra ir a ensaio e/ou estúdio.

É uma infinidade de coisas que dá pra fazer. É só querer. Algumas que escrevi aqui podem ser mais difíceis, mas não impossíveis. A consciência não é só do executivo ou profissional do veículo de comunicação. Vai também do artista, das pessoas que trabalham em gravadoras, agências. Muitas vezes o artista está aberto para tudo e o problema está, na verdade, em quem trabalha com ele, que gosta de dificultar o caminho, a comunicação. É como aquele magricelo que ninguém dá bola, que veste o uniforme de segurança do estacionamento e passa a se achar o Super Homem. 

Tem que saber se vender. Em 2000 eu fazia a direção do programa Supernova apresentado pela Didi e, em outro horário, por Edgard. No horário do Ed iria passar um clipe do Rappa e ele havia me falado que a banda estava em estúdio gravando disco novo. Fui ao dep. de relações artísticas pedir para falar com alguém da banda no estúdio. A gravadora proibiu dizendo que isso poderia atrapalhar o marketing do disco!!!!!!!!!!!!!! Avecruizzzzzzzzzzzz! É de cair pra trás, não é? Falar ao telefone por um minuto e meio, no máximo, vai estragar tudo!?!?!?!?! Esse é só um exemplo, só um!!! Não é à toa que me dá calafrios quando ouço falar em “departamento de marketing”. Seja de onde for.
(continua...)

15 de maio de 2013

Sou De Lugar Nenhum, Sou de Nenhum Lugar

Nasci em 15 de maio de 1970, em Piracicaba, interior de São Paulo. Um ano depois fui morar em Columbus, no estado de Ohio, nos Estados Unidos. Meu pai ganhou bolsa para Doutorado (ele era engenheiro agrônomo) e lá fomos nós. Voltei para Piracicaba em 1973. Meses depois, no início de 1974, estava em Brasília. Da capital federal só fui sair em abril de 1987, quando cheguei a São Paulo. Já se vão 26 anos e ainda me sinto um peixe fora d’água. Não me sinto paulistano, ainda acho estranho alguns costumes dessa cidade enorme. Me assustei ao chegar aqui. Não conhecia nada.

Amo Piracicaba. Amo Brasília. Em minha cidade natal morei nesse início dos 1970 e também em 1985. Essa segunda ida para Pira eu estava na expectativa, apesar de estar muito ligado a Brasília, foi quando comecei a ter minhas namoradas, foi formado o Filhos de Mengele. Sabia que era apenas um ano, e queria ver como era a cidade onde nasci. Foi um ano intenso, muitas aventuras e descobertas aos 15 anos. Conheci muita gente e, como em Brasília, convivia com pessoas com 5, 8, 10 anos a mais que eu. Adorei morar em Piracicaba e aproveitei-a ao máximo. Pra mim, que adoro caminhar, andar por Brasília e Piracicaba sempre foi especial.

Sede  da ESALQ
Piracicaba e Brasília, duas cidades interioranas, onde as relações humanas eram iguais, mais próximas, onde amigos praticamente viravam parentes. Todo mundo sabia de tudo, fofocas corriam soltas. Nunca se tinha o que fazer, então se inventava um monte de coisas pra fazer. O combustível? Sexo, drogas e rock’n’roll. Mas a grande maioria sobreviveu.

Aqui em São Paulo as pessoas, quando me conhecem, logo perguntam se eu sou do Rio de Janeiro, porque para o paulistano basta forçar o ‘R’ para ser carioca. Quando vou para Brasília os amigos tiram sarro do meu sotaque paulistano, por conta das gírias. Até hoje não sou muito chegado à pizza. Como, mas não me atrai. Em Brasília não havia o costume de comer pizza como em SP, pelo menos não enquanto morei lá, quando tinha apenas uma pizzaria, a Cazebre 13 (era isso??? Não lembro direito...).

Minha formação toda foi em Brasília, minha infância inteira nos 1970 e 90% de minha adolescência. A capital é terra ianque, então cresci com baiano, pernambucano, mineiro, gaúcho, mato-grossense, paraibano, cearense, paulista, carioca, inglês, alemão, nigeriano, africano, americano, francês.
Um dia eu ia a um almoço que tinha pato na maniçoba, outro dia em um churrasco, no final de semana comia um tutu, depois um vatapá, chimarrão com pão de queijo...

Já são 26 anos de São Paulo e uma filha linda e muito amada que não conhece Piracicaba e nem Brasília. Várias vezes me pego pensando sobre minhas raízes. Onde estão? Meus pais são de São Paulo. Minha mãe nasceu em Campinas, mas logo foi para SP. Infância, adolescência, juventude, início da vida adulta, tudo foi em SP, tudo foi no bairro de Perdizes. Nasci em Piracicaba porque a família da minha avó paterna é de lá, e meu pai estudou agronomia na ESALQ. Quando nasci morávamos na Rua Gomes Carneiro. Era uma delícia. Eu sou daquelas pessoas em que a memória começa cedo. Tenho lembranças de quando tinha 3 anos.

Da mesma forma como tenho orgulho de ser canhoto, também tenho orgulho de ser caipira. Me considero duas vezes caipira. Há pouco mais de dois anos me separei, e a primeira coisa que pensei foi em ir embora de SP. Fiz contato com Pira e com BsB. Desde que me mudei pra cá, nunca descartei a hipótese de sair daqui. Faço o máximo possível para que minha vida aqui em SP seja pacata. Moro na Pompéia, um bairro muito mais residencial do que comercial (coisa cada vez mais rara em SP). Apesar de ser um morro, adoro caminhar por aqui. Moro ao lado do Palmeiras, clube que sou sócio e torcedor. Em Brasília há a tradição de ir ao clube, e aqui em SP não perdi esse costume. Nado toda semana, vou e volto a pé. Aliás, como já disse aqui no blog, vendi meu carro em 2001, porque já naquela época não aguentava o trânsito.

Só saio da Pompéia para trabalhar e, algumas vezes, até dou sorte de arrumar trabalho por perto. Aqui ando pela rua, cumprimento todo mundo, conheço o jornaleiro, o açougueiro, as vovozinhas, a atendente da padaria, todo mundo dos mercados e restaurantes próximos. Estou no mesmo lugar há 15 anos.

Até hoje dá saudades de Brasília, mesmo sabendo que a cidade não é mais a mesma. Tenho saudades das caminhadas, de pegar o Grande Circular, o L2 Norte / W3 Sul, de ir à casa dos amigos filar uma piscina, de sair pra night de camelinho, de sentar no Beirute pra reclamar da cidade, comprar pão na Delícia, comer um sanduíche no Good’s, o Food’s e o Giraffa’s (que não era a porcaria que é hoje), passar embaixo de um bloco qualquer durante uma caminhada.

Mas isso não é nostalgia, saudosismo ou coisa assim. Apenas lembranças que veem quando penso a respeito de minhas raízes. Esses tempos não voltam, e o bom é isso.

Me sinto mais brasiliense por causa dessa experiência rica que Brasília proporciona de poder conhecer várias culturas em um único lugar. Eu sou assim, formado com um pouco de cada cultura que conheci, mas com essa coisa bucólica do interior no sangue. E melhor, por onde passei, estive nos lugares certos e nos momentos certos.

A verdade (e a conclusão) é que eu gosto de me sentir assim, sendo de nenhum lugar. É algo especial e diferente.

7 de maio de 2013

Série O Resgate da Memória: 31 - O Rock Brasileiro em 1975


Estava eu fazendo pesquisa de alguma coisa e vi essa matéria da Folha de SP de 1975, onde fala da crise no rock brasileiro. O texto deixa clara a esperança de ele ganhar o mainstream, porém sabemos que a década de 1970 foi de um rock marginal, por ser malvisto pela sociedade. Mesmo assim bandas eram vistas em programas de TV, tocando ao vivo ou fazendo playback, e muitos shows eram realizados. Os militares proibiam certos festivais, mas eles aconteciam em teatros e outras casas fechadas. Não tocou nas rádios, não participou de trilhas de novelas e não despertou suficiente interesse nem do público jovem e nem das gravadoras. De fato rock progressivo não foi feito para tocar em novela ou em rádio e raras foram as bandas de 1970 que conseguiram gravar disco.

Por falar em crise, olhando para os últimos 10 anos (para ser bonzinho) dá pra ver que o rock brasileiro entrou num buraco que acredito não ter fim. Não sou pessimista, mas realista. Vejo shows de bandas pequenas, leio a respeito, procuro os artistas que os especialistas indicam, mas não ouço nada que dê alguma esperança de mudança.

O problema atual não são as gravadoras. Não dá mais para se esconder atrás dessa desculpa. O problema é que as bandas e os artistas solos atuais, salvo duas ou três exceções, são ruins de doer. Não tem conhecimento musical e nem conteúdo para escrever algo ao menos razoável. Já disse isso em todos os textos da série Mais do Mesmo.

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Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada, Página 24, 19-maio-1975

Rock – Novo Impulso Para o Rock Brasileiro
Por Carlos A. Gouvêa

O rock tupiniquim parece ter acordado, depois de dois meses de inércia total, desde a proibição do festival “Hallellujah” pela Secretaria de Segurança Pública. Se não fossem alguns promotores, nosso rock estaria enterrado, pois se fossemos esperar pela iniciativa dos músicos de rock brasileiros tudo estaria acabado.

Quatro shows estão programados entre 29 de maio a 1º de junho, no auditório da Fundação Getúlio Vargas, onde se apresentarão 17 dos melhores conjuntos de rock, fazendo um intercâmbio de artistas do eixo Rio-São Paulo.

Além dos grupos de rock, a Trinka Promoções, firma encarregada dos shows, apresentará nesses quatro dias, a partir das 19 horas, exposições de fotografias, pinturas, cinema e artes plásticas em geral. Os filmes curta-metragem que serão exibidos antes e após os concertos são de Salo Felzen e as fotos de Richard Kohout, Júlio César, Thomas Endoza e Roberto Amitrano.

Na parte de artes plásticas...

A intenção dos organizadores é fazer uma feira onde as pessoas possam ter contato com todas as variações apresentadas pelo mundo da arte. Mas, o ponto que realmente nos interessa é o ressurgimento do nosso rock, para pararmos de consumir apenas música importada.

Esse movimento, chamado “Banana Progressiva”, marca a volta de um dos mais importantes grupos de rock da Argentina – Burmah – agora radicado no Brasil e cantando diversas composições em português, de sua própria autoria.

O Burmah, lançado na Primeira Semana de Rock’n’Roll por Lady Jane, revelou-se um dos melhores grupos da América do Sul. Liderado pelo contrabaixista brasileiro Norton Lagoa, o Burmah apresenta-se com Eduardo na guitarra-solo, Piojo na bateria e Javier nos teclados.

Depois de sua última apresentação no Brasil... No dia 25, o Burmah estará se apresentando juntamente com o grupo Opus, no Clube Atlético Juventus, e no dia 30 de maio estará no teatro da Fundação Getúlio Vargas, ao lado do excelente grupo carioca Vímana, do Montanhas e de Edson Machado e a Rapaziada.

Na abertura da programação, no dia 29, estará se apresentado o Som Nosso de Cada Dia, com nova formação, tendo em suas fileiras o bom guitarrista Egídio Conde, que fazia parte do grupo Moto Perpétuo. Com o Som Nosso, no mesmo dia, estão programados os grupos do Rio de Janeiro Veludo e Quarto Crescente, além do Bandolim, de São Paulo.

No dia 31 de maio, Erasmo Carlos e a Cia. Paulista de Rock deverão sacudir o teto da FGV com seu autêntico rock-raiz. A seguir subirão ao palco Manito, ex-Som Nosso, com seu novo grupo, o Bolha do Rio de Janeiro e o grupo Biscoito Celeste. No encerramento, dia 1º de junho, estão escalados Hermeto Pascoal, Barca do Sol (Rio de Janeiro), Jazco e Terreno Baldio.

Com essa programação, o rock brasileiro deverá tomar o impulso necessário para confirmação das previsões de André Midani, presidente da Phillips Phonogram e de muitas pessoas, de que 1975 será o ano do rock. Os problemas enfrentados pela Trinka, quando fez promoção semelhante no Teatro Aquarius, mas com conjuntos em expressão popular, lhe deve ter dado boa experiência para não cair nos mesmos erros. Lamentavelmente, dois nomes do rock tupiniquim estarão ausentes: Eduardo Araújo e Próspero, com seu excelente grupo Joelho de Porco.