14 de janeiro de 2008

Entrevista com Roger Moreira (Ultraje à Rigor)



Essa é mais uma entrevista da série que fiz quando trabalhava no site tantofaz.net


Era 2000, primeiro semestre, e o Ultraje à Rigor estava num hiato, sem lançar e sem gravadora. No ano anterior a banda tinha lançado o disco 18 Anos Sem Tirar com atraso de vários anos...


Quando cheguei ao tantofaz.net para ser editor de música a primeira coisa foi não ceder aos apelos de gravadora e segui fazendo o que bem queria. Eu nem havia formado uma equipe ainda. Bem, fato é que fui procurar artistas que estavam um tanto sumidos da mídia como Edgard Scandurra, Roger, Fê Lemos entre outros (Capital ainda estava engatinhando com a volta).


Sem gravadora, como poderia eu chegar ao Roger? Recorri ao grande amigo Mingau (e grande baixista!). Não lembro agora se Bacalhau já estava no Ultraje, fato é que consegui o telefone da casa de Roger e liguei na cara e coragem. Atendeu secretária eletrônica, deixei recado com zilhões de referencias, citando amigos em comum, essas coisas. Dois minutos depois de eu ter desligado, Roger retornou a ligação e topou fazer a entrevista, mas na casa dele e sem fotógrafo.


Cheguei lá a tarde, numa bela casa no Morumbi, e assim que entrei Roger pediu: “podemos fazer a entrevista depois da sessão da tarde? É que vai passar De Volta Para o Futuro 3 e eu adoro esse filme”. Topei na hora até porque também sou fanático pela série De Volta Para o Futuro. Nos afundamos no sofazão, eu ele e a mulher dele e assistimos o filme quietos até o fim como se estivéssemos no cinema.


Terminado o filmaço, demos início a entrevista. Cheguei em sua casa as 16h00 e saí de lá umas 20h00.

Paulo Marchetti – Em junho fará um ano de lançamento do “18 Anos Sem Tirar”. O que mudou de lá pra cá?


Roger – Não mudou muito, nós já vínhamos fazendo shows todo esse tempo… as pessoas vinham e falavam “vocês sumiram, pararam…” mas, na verdade, estávamos fazendo shows. A parte ao vivo do disco, foi gravada em 96, que foi quando decidi gravar pra, depois, decidir o que fazer. Na verdade o projeto do disco ao vivo era pra 92. Começou a muito tempo atrás… porque aconteceu o senguinte: lançamos o “Vamos Invadir Sua Praia” em 85 e saimos em turnê e, como só eu que componho, lançamos o “Sexo” só em 87. Eu não consiguo compor enquanto estou viajando… preciso parar e pensar. Meu processo é meio demorado. Daí o próximo disco só saiu em 89, foi um disco de covers chamado “Porque Ultraje `a Rigor”, pra mostrar nossas influências e porque também fazia parte de um plano meu de juntar mais os lançamentos porque, num disco de covers, não é preciso compor, então fomos gravando-o até mesmo durante as gravações do “Crescendo”. Então a idéia era lançar esse de covers, mais um inédito em 91, um ao vivo em 92 e mais um inédito em 93. Mas não sei o que realmente aconteceu, onde foi que… eu sei que, em 90, a diretoria da Warner mudou e, não sei se por isso ou por algum outro motivo, os nossos discos estavam vendendo bem, não teve uma queda de vendagem significativa pra justificar um desinteresse pelo Ultraje. Quer dizer, o “Porque Ultraje `a Rigor” não ganhou disco de ouro, mas também ninguém esperava isso de um disco de covers, mas chegou a vender entre cinquenta e sessenta mil cópias. Aí em 91, falamos pra gravadora que queríamos lançar algo novo e a gravadora falou: “agora não está numa epoca boa…” e em 92 foi a mesma coisa, mas eles resolveram lançar uma coletânea. Aí eu reclamei e falei que estava querendo lançar um disco ao vivo…
Nesse tempo todo, aconteceu um monte de coisas, a formação da banda mudou. O Maurício saiu e começou um período de entra e sai gente na banda e as coisas na gravadora não estavam legais… Em 93 eu fui lá e pus os caras na parede e eles me falaram de critérios e questionei esses tais critérios. Porque os outros artistas estavam gravando tipo Kid Abelha, Titãs, Barão… vi que o negócio era pessoal, então pedi pra me liberarem. Eles chegaram a conclusão de que seria melhor, mas eu ainda gravei o “Ó”, mas esse disco foi gravado na correria, com a banda ainda se entrosando, foi feito de qualquer jeito, foi mal divulgado e, segundo consta, não só não divulgaram, como também boicotaram, mas isso eu não posso afirmar com certeza. O que aconteceu na sequência é que continuamos a fazer shows, mas não tínhamos disco. Eu tentava vender a idéia do disco ao vivo, mas ninguém queria. O tempo foi passando, em 96 gravamos e, em 97, eu já tinha duas músicas prontas, “Nada a Declarar” e “Mostro de Duas Cabeças”. Eu levava nas gravadoras, todo mundo achava o máximo, mas ninguém comprava a idéia.
Eu não queria gravar um disco ao vivo qualquer. Eu queria qualidade e conseguimos isso. Gastamos sessenta mil reais e até chegamos a pensar em lança-lo como o Lobão fez, através de editora, vendendo nas bancas…
Até que o Rafael (Baba Cósmica e Quiz MTV), filho do João Augusto, viu uma entrevista minha na qual eu falava sobre disco e ele acabou falando com o pai que acabou comprando a idéia. Então fomos contratados da Deck Discos, de propriedade dele, mas logo em seguida ele foi para a Abril Music e acabou nos levando.

Paulo Marchetti – E agora como está?
Roger
– Os nossos discos antigos não estão em catálogo, o que eu acho um ABSURDO! Muitos fãs novos apareceram, os shows estão bem cheios e a preferência é pelas músicas antigas. O disco era pra ser “15 Anos Sem Tirar”, mas não rolou. Quando o disco saiu já estávamos na metade do dezenove (risos).
Hoje em dia está tudo diferente. Antigamente, quando ouvíamos um banda, tínhamos que ir atrás, as informações eram poucas, os discos não eram lançados aqui… Hoje, se as coisas não caem no colo, o jovem não sabe o tem por aí. Isso porque temos a facilidade da internet e globalização... Há uma falta de cultura e de interesse.

Paulo Marchetti – Vocês chegaram a tocar em lugares que ainda não tinham ido?
Roger
– Não. Até porque, desde 86 eu não ando de avião, desenvolvi um medo dentro de mim. Em 95 eu fiz um grande esforço e fomos tocar nos Estados Unidos. Sempre recebemos convites para ir ao Japão, Argentina, Europa… mas não vamos por minha causa, pelo meu medo de avião. Até fiz algumas exigências que não costumo fazer mas, mesmo assim toparam e eu tive que ir (risos).

Paulo Marchetti – Como você faz pra ir tocar no nordeste?
Roger
– Nesse disco não fomos. No começo, chegamos a fazer uma turnê de 45 dias entre norte e nordeste, de ônibus. Foi uma coisa bem estressante, no final nós já olhávamos um pro outro de mau humor, não aguentávamos mais.

Paulo Marchetti – Então vocês só tocam pelo Sul…
Roger
– Brasília pra baixo. Temos muitos pedidos do nordeste e de for a do país mas, infelizmente…

Paulo Marchetti – Nem tomando um calmante pra dormir…
Roger
– Pior é isso, também não tomo remédio.

Paulo Marchetti – Então você teve Síndrome do Pânico…
Roger
– Eu tive Síndrome do Pânico em 83, mas, na época, ninguém sabia o que era e não havia isso diagnosticado como doença. Eu ia em todos os médicos e todos eles falavam que eu não tinha nada. Ninguém sabia o que era. Durante muito tempo eu tomei Lexotan, andava com ele no bolso… até que me curei na marra. Quando dava uma crise, eu falava comigo “calma, você já teve isso, daqui uns dez minutos passa” e fui me curando. Foram vários sintomas juntos: eu não ia em lugar que não tivesse hospital por perto, cidades muito pequenas, multidão… Fui me livrando dessas coisas, mas sobrou o medo do avião.

Paulo Marchetti – Sua primeira banda foi o Ultraje?
Roger
– Eu tocava flauta e, tive umas bandinhas meio jazz. Mas a primeira banda que eu levei a sério foi o Ultraje. Teve uma única vez que foi um guitarrista fazer um teste para entrar no Ultraje, e ele me falou que tinha uma banda e me convidou pra ser vocalista, mas eu fiz ensaio e nunca mais. Meu negócio mesmo era fazer o Ultraje `a Rigor.

Paulo Marchetti – Quando o Ultraje lançará o próximo disco?
Roger
– Estou num processo penoso de compor. Porque, pra compor, tem que haver um motivo. Não consigo compor por compor. Tem que haver vontade e eu fico me esforçando ao máximo, prestando atenção em tudo o que acontece. Mas mudou muito… os meus temas iniciais, o ambiente que eu vivia, a minha idade. Certas coisas não combina comigo então esse processo de composição é demorado. Agora eu tô no meio dele e a idéia é lançar um disco novo e de músicas inéditas no segundo semestre.

Paulo Marchetti – O Scandurra me falou que também tem tido dificuldade em escrever coisas legais…
Roger
– Eu entendo isso. Nós somos muito idealistas, mas não é só isso. Já fizemos muita coisa, já passamos pelo processo do ímpeto inicial, de precisar se expressar e ter muito o que falar e fazer. Depois você acaba perdendo a inocência. Hoje temos 40 anos, dividimos o espaço com bandas mais novas e acho que o direito é todo dessas bandas tipo Raimundos, Skank… Eu acho que temos que fazer coisas de acordo com a nossa idade e, como tocamos Rock’n’Roll, que é coisa de adolescente, acabamos tendo um certa ‘crise’ do que falar. Se fôssemos mais mercenários, faríamos coisas que o mercado está pedindo e pronto. Mas tem gente como eu, o Edgard, o Lobão que fazemos músicas porque gostamos e não porque queremos vender e ficar na moda. Se eu tinha alguma coisa pra provar, eu já provei e agora estou relax. Eu me considero mais do que bem sucedido no que me propus a fazer, que era apenas de ter uma banda e poder tocar nos finais de semana. Pra tocar e fazer shows, o tesão continua o mesmo mas, pra compor…

Paulo Marchetti – Você falou que os primeiros discos do Ultraje estão fora de catálogo e têm muitos outros…
Roger
– Não só de Rock. O ‘Acabou Chorare’ dos Novos Baianos você não encontra. É a falta de cultura do povo, eu acho. Falta pedirem esses discos, falta procura e assim não há discos. É aquilo que falei de que, se não cair no colo, ninguém vai atrás. Não da pra culpar um só lado, é claro que a gravadora tem mais culpa, porque ela tem o material, sabe que existe, ela pode por pra vender, mas prefere lançar coletânea, que é mais fácil de vender, sei lá. Isso é uma mutilação do seu trabalho

Paulo Marchetti – Você já tentou brigar pelas matrizes do Ultraje?
Roger
– Já. O Maurício (ex-baixista) tentou lá de Miami, porque ele tem uma distribuidora de CDs. Foi lá falar com o pessoal da Warner, mas não deixaram. Eu ainda pretendo ver isso aí… Podia ser até uma coisa de oportunismo, aproveita que lançamos um disco, que estamos fazendo divulgação e lançam o resto. Eu acho isso uma sacanagem, porque não custa nada manter nossos primeiros discos nas prateleiras.

Paulo Marchetti – Você já recebeu convite pra produzir discos?
Roger
– Eu já produzi um disco do Korzus e um do Garotos Podres. Mas não produzi a ponto de mudar a música deles, era mais uma ajuda de quem era mais experiente. Não ganhei nada pra fazer isso. Pra mim dá mais trabalho… até pode ser futuramente, mas aí seria pra produzir seriamente.

Paulo Marchetti – Você ainda tem contato com o pessoal da primeira formação do Ultraje?
Roger
– Tenho. Em 96 o Maurício esteve no Brasil e tocamos juntos num bar no Itaim. O Carlinhos é produtor de disco e até começou a fazer o “18 Anos…”, mas depois saiu… e o Leospa está aqui em São Paulo, ele tem um estúdio de ensaio.

Paulo Marchetti – Tinha umas histórias de que ele não conseguia tocar bateria nos discos…
Roger
– Isso era frustante. Pô, a formação era da banda era genial, mas tinha essa coisa. Tiveram outros micos: uma vez fomos gravar uma música pra uma trilha sonora e ele não conseguia tocar… ou porque bebia ou sei lá. Os produtores sempre falavam pra chamar outro baterista. O “Crescendo” ele gravou inteiro, porque eu dei um toque nele e ele criou vergonha na cara. Nem tudo são flores, né? Mas faz tempo que eu não falo com ele.

Paulo Marchetti – Como foi a experiência de posar nu?
Roger
– O engraçado é que, quando começou a sair esse tipo de publicação, eu já havia pensado no assunto. Eu já frequentei praias naturistas e, na verdade, quando compus “Pelado”, a filosofia era essa de não ter frescuras e, por isso, eu cheguei a me perguntar se um dia faria. Mas nunca pensei que alguém fosse me chamar, afinal estou com 43 anos e não faço ginástica, nem nada (risos).
Um dia o Júnior, nosso empresário (irmão do Nasi – Ira!) me ligou dando risada e dizendo que eu tinha recebido o convite. Mas eu fiz exigências: que tivesse pouca gente na equipe, que fosse só mulher e dei meu preço, que eles acharam alto, mas toparam.

Paulo Marchetti – Por que só mulher na equipe?
Roger
– Porque acho que o homem tem mais vergonha de ficar nu na frente de outro homem.
Na hora de posar eu também pensei na barreira que estava quebrando. Eu fui primeiro roqueiro a posar nu… tinham algumas coisas que me fizeram posar e o dinheiro também foi bom.

Paulo Marchetti – Como é que você fez pra ficar de pau duro?
Roger
– Essa foi a parte mais difícil. Eu achei que não fosse, mas acabou sendo foda. Eu tive que ir até o camarim e ficar de pau duro, pra depois voltar ao set e fotografar. Não foi fácil, eu demorei um pouco (risos).

Paulo Marchetti – Elas deram revistas pra te ajudar?
Roger
– Eu ouvi dizer de algumas pessoas da revista que é normal o contrangimento. Eles me ofereceram algumas revistas, mas eu não quis. É difícil, porque ao mesmo tempo que você está tentando se exitar, você sabe que tem pessoas esperando por você, então ficou aquele negócio… ele levantava e, na hora de sair, começava a murchar (risos). Ficou uma situação engraçada. Até minha mulher foi comigo mas, mesmo assim foi foda, porque além de tudo, você sabe que aquelas pessoas que estão te esperando pra fotografar, irão julgar seu pau (risos).

Paulo Marchetti – Você teve alguma crise depois de ser fotografado?
Roger
– Não, foi tudo tranquilo. Até hoje tem mulheres que levam a revista no show pra eu autografar. Nem teve muita tiração de sarro! É claro que meus amigos ficavam falando coisas do tipo “tirou foto pra revista de gay”, mas qual é o problema? Na minha cabeça estava tudo muito resolvido, então não tinha como ficarem tirando muito sarro de mim. Eu até tentei negociar pra não ter que tirar fotos com o pau ereto, mas essa era uma exigência da revista. Fiquei até orgulhoso. Acho que até tem a ver com o Ultraje. Sei de muita gente mais nova que eu, que foi concidada e não teve coragem de aceitar.

Paulo Marchetti – Seu irmão Trovão ainda trabalha no Ultraje?
Roger
– Trabalha.

Paulo Marchetti – O público ainda o confunde com você?
Roger
– Não tanto, porque ele continua cabeludo. Mas ainda confundem, ainda mais quando vamos `a uma cidade pequena, que a muito tempo não íamos. Ele costuma chegar primeiro nos lugares, pra montar o palco e passar o som, então as pessoas vão falar com ele. Tem uma história engraçada: uma vez, depois que acabou um show, estávamos indo embora e tinha um carro atrás do nosso ônibus, fazendo sinal pra nós pararmos e aí o pessoal subiu no ônibus pra pegar autógrafo e me procuraram. As pessoas entraram no ônibus, passaram por mim e foram direto pro Trovão. O pessoal ficou avisando os fãs de que aquele não era o Roger, mas eles não acreditaram, pegaram o autógrafo dele, passaram por mim e desceram (risos). Ele também já deu entrevista no meu lugar. Foi numa corrida de moto, os organizadores o viram e pediram pra ele dar a entrevista, mas ele falava que não era o Roger e a galera não acreditava, pensava que EU estava de frescura. Saiu até foto dele na revista (risos).

Paulo Marchetti – Como o Miguau foi parar no Ultraje?
Roger
– O Minguau caiu do céu. É um grande baixista. Apesar de ser mais moço que eu, somos da mesma geração e começamos juntos (Minguau fez parte da primeira formação do Ratos de Porão e depois passou por várias bandas, inclusive chegou a fazer testes para a Legião Urbana). Era engraçado porque sempre nos cruzávamos por aí, em shows ou outra coisa, `as vezes até tocávamos juntos. Sempre falávamos de fazer um som, mas nunca rolava, nunca dava certo. Nosso ex-baixista Serginho, saiu da banda pra estudar química, mais ou menos na época que começamos a gravar o disco ao vivo. Então tive a idéia de chamar o Minguau. Liguei pra ele e rolou. Era pra ter acontecido e, apesar de eu sempre pensar nele em primeiro lugar, algumas pessoas me falavam que ele estava com alguns problemas… então antes de ligar pra ele, eu liguei pro pessoal do Rumbora, que me indicaram o Zé Ovo (ex-Little Quail). Eu cheguei a ligar pro Zé, ele ficou de ir até minha casa e nunca foi. Aí liguei pro Minguau e ele topou. A entrada do Minguau deu muito ânimo pra banda, combinou em tudo. O engraçado é que, essa história de tocarmos juntos, era um desejo dele e meu.

Paulo Marchetti – Vocês já tem músicas novas?
Roger
– Não, só pedaços de idéias.

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